❌Aviso de gatilho❌
A vida de Jessie nunca foi normal.
Aos vinte e um anos Jessie Brodie tenta recomeçar a vida após uma série de traumas sofridos na infância. Ainda está fresca em sua memória a temperatura das mãos de seu tio que marcaram seu corpo...
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-Por que está cabisbaixa Jessie?- Pergunta mamãe em um tom preocupado assim que chego da escola. O ar da cozinha estava preenchido pelo cheiro de feijão recém-cozido e legumes refogados, mas nem isso fazia meu estômago vazio roncar.
Arrasto-me até o sofá e largo a mochila aos meus pés. Meu corpo tem ardido desde que titio fez carinho em mim. Eu não gosto do carinho dele. Deixa marcas na minha pele branquinha sob o vestido.
-Aconteceu algo na escola meu amor?- Pergunta mamãe. Seus olhos azuis ficando mais escuros com a preocupação. Noto que seus cabelos de chocolate estão oleosos por conta do vapor quente do fogão.
Um nó se forma na minha garganta. Eu não podia dizer a ela que as mãos do tio Marcelo doíam tanto quanto seus abraços. E, também, se eu fizesse isso ele contaria que tenho o desobedecido mesmo sendo mentira.
-Ninguém quis brincar comigo- Minto curvando os ombros.
Mamãe se abaixa em minha frente e coloca uma mecha do meu longo cabelo atrás da orelha. Depois acaricia minha bochecha e aperta meu joelho em um gesto tranquilizador. O carinho da mamãe era muito melhor do que o do meu tio.
-Não fique triste por isso. Você ainda tem Luke- Ela levanta meu queixo para que possa me olhar- Por que não vai até a casa dele depois do almoço? Ou melhor, o chame para passar um tempo aqui em casa.
-Sério?- Imediatamente sinto a animação crescendo dentro de mim.
-Marcelo não está em casa, então terão o quarto de brinquedos todinho para brincar- Mamãe aperta a ponta do meu nariz- Só não pode mexer nas coisas do seu tio.
-Não vamos!
-Tudo bem. Eu confio em vocês.
Almoço rapidamente por conta da animação. Eu finalmente poderia trazer meu amigo para brincar com meus brinquedos e para conhecer minha casa. Antes de sair pedi para mamãe preparar algum lanche para comermos. Os lanchinhos da minha mãe são os melhores
-Luke!- Grito, apesar de ter uma campainha bem ao lado do portão- É a Jessie!
Como ele parece não me escutar, toco a campainha. Os latidos de Simba ecoam no interior da casa, então é impossível que ninguém tenha notado que há uma pessoa no portão. Uma pessoa bem desesperada e feliz.
-Luke! Finalmente!- Digo dando pulinhos quando vejo meu amigo abrir a porta da sala e caminhar em minha direção. Seus cachos estão despenteados e a camiseta abarrotada como se tivesse acabado de acordar-Vim te chamar para brincar.
-Olá Jessie- Ele coça a nuca, sonolento. Acho que tinha mesmo acabado de acordar- Não vai dar para você ficar aqui hoje. Minha mãe está estudando e precisa de silêncio.
-Não será preciso! Vamos brincar na minha casa- Bato palmas enquanto sorrio de orelha a orelha.
Luke parece despertar assim que me ouve dizer "minha casa". Seus olhos acinzentados ficam menos nublados e o rosto ganha mais vida. Ele sorri exibindo os dentes rasgando a gengiva, prontos para crescer e preencher o buraco na sua boca.
-Eu vou conhecer sua casa?
-Vai, sim! Avise sua mãe e vamos logo para dar tempo de brincar bastante.
Luke some de novo para dentro da casa e volta minutos depois com um sorriso enorme no rosto. Nos apressamos até a minha casa e o levo diretamente até meu quarto, mas antes paramos na cozinha para falar com minha mãe.
-Mamãe o Luke está aqui- Empurro Luke para dentro da cozinha que, tímido, sorri e diz oi.
-Fique à vontade querido. Mais tarde vou levar um lanchinho para vocês- Diz voltando a lavar as panelas usadas para preparar o almoço.
Agarro a mão do meu amigo e o levo até o quarto de brinquedos mais conhecido como quarto de Marcelo. Mas por algumas horas eu faço questão de não ligar por estar num território dele, até porque o quarto era meu bem antes de sua chegada.
-Caramba você tem muitos brinquedos!- Exclama Luke maravilhado com minhas pelúcias expostas nas prateleiras acima da cama- Eu posso pegar aquele ali?
-Pode, sim- Subo em cima da cama sem me importar com os lençóis perfeitamente esticados e apanho o sapo de pelúcia que nos encara com seus olhos pretos e redondos- Aqui.
-Ele tem nome?- Pergunta passando a ponta dos dedos pelo bichinho. Eu acho fascinante o jeito que Luke tem de sentir e apreciar os brinquedos, sempre com as pontas dos dedos.
-Eu não dou nome para os meus bichinhos de pelúcia. Só para a Gi.
-Quem é Gi?
Subo novamente em cima da cama. Dessa vez para pegar um que estava na última prateleira e escondida como um tesouro para que fique em segurança.
-Essa é a Gi, a girafa.
-Ela é muito fofa. Ela e o Jorge podem ser amigos.
-Jorge?
-Eu acabei de dar esse nome para o sapo. Tem problema?
-Não, eu adorei.
Então Luke abraça o sapo verde de barriga e patas amarelas e boca avermelhada como se tivesse passado o batom da mamãe. Depois nos acomodamos no chão e o levo para conhecer meus outros brinquedos. Casinhas, bonecas, barcos, aviões e muita maquiagem. Esparramamos todos no chão e começamos nossa brincadeira emendando acontecimentos conforme apareciam em nossa cabeça.
-Hora do lanche crianças- mamãe entra no quarto com um prato contendo sanduiches e outro com suco de laranja fresco- Pela bagunça vejo que estão se divertindo.
-Estamos- Sorrio e vou até ela com o estômago roncando- E estamos com fome.
-Calma Jessie! Vou deixar em cima da cama. Depois leve a louça para a cozinha para que eu possa lavar, está bem?
-Tá bom! Obrigada mamãe!
-Obrigado tia- Agradece Luke se levantando do chão e sentando na cama em cima do travesseiro de Marcelo- Parecem ótimos.
Devoramos em silêncio fazendo caretas um para o outro. Luke era muito bom nisso e quase me fez engasgar com o suco, mas consegui me vingar pulando como macaco enquanto ele tomava um gole.
-Vamos voltar- Diz saltando da cama e limpando a boca com as costas da mão. Ao fazer isso o travesseiro em que estava sentado se desloca revelando Bolota abaixo dele.
Totalmente esmagado.
-Luke! Olha o que você fez!- Grito correndo até Bolota que agora estava amassado como uma panqueca- Esse ursinho é do meu tio Marcelo.
Seguro o ursinho com as mãos trêmulas e mecho em seu enchimento para tentar fazê-lo voltar ao normal, mas para o meu desespero ele só fica cada vez mais amassado e irregular.
-O que vamos fazer?- Falo com o coração batendo forte no peito. Ele não vai gostar de nada disso.
-Não podemos esconder?- Sugere Luke com a pele ficando mais pálida que o normal- Ou talvez você possa dar um de seus ursinhos para ele.
-Acho melhor escondermos- Começamos a olhar em volta em busca de um esconderijo. Embaixo da cama? Óbvio demais. Talvez do tapete? Não, ele veria. Entre meus ursinhos? É uma má ideia.
-E se escondermos embaixo desses cobertores?- Pergunta mostrando a pilha de cobertores que mamãe guarda em um dos compartimentos do guarda roupa.
-É uma ótima ideia- Com sua ajuda escondo Bolota da melhor forma possível- Agora vamos torcer para que ele não se lembre do ursinho.