Herança de Sangue, Parte 2

Capítulo 21: Sensações

A garota estava sentada em uma cadeira branca e segurava um pequeno guarda chuva também branco e observava a neve caindo enquanto olhava distraidamente para o céu. Quem observasse de longe pensaria até mesmo que podia ser uma boneca, sua pele clara, seus cabelos loiro acinzentados soltos atrás de sua cabeça, o vestido azul claro com alguns flocos de neve caindo suavemente sobre ele e os olhos verde azulados olhando para cima. Era uma cena tranquila, uma pintura que casualmente parecia respirar e formava pequenas nuvens à frente do seu rosto tranquilo até que baixava o guarda chuva e fechava os olhos, sentindo o toque frio e gentil da neve em seu rosto, o que lhe abria um pequeno sorriso feliz. Havia algo na sensação da neve em seu rosto que lhe trazia calma e tranquilidade, uma paz e leveza na mente que tiravam um pouco da angústia diária na casa de sua avó, mas não demorava até sentir que a neve parava de cair em seu rosto.

— Senhorita Cristine, você não deveria estar aqui fora.

Ela abria os olhos para ver o rosto preocupado de sua acompanhante sob um guarda chuva um preto um pouco maior que o dela. Ela tinha olhos negros e pele escura, usava um vestido preto de tecido leve e tremia de frio.

— Eu só queria ficar um pouco na neve, Aime... Acho que já tinha te falado que gosto de ficar na neve.

— Já sim, senhorita. Mas ficar aqui fora muito tempo vai te fazer pegar uma gripe de novo! Você quer passar mais tempo de cama?

Cristine ficava emburrada e cruzava os braços enquanto lembranças de estar com muita dor, muita febre e sem conseguir falar em sua cama, sem forças nem pra beber água sozinha e do gosto amargo dos remédios a fazia sentir um arrepio que abrandava sua expressão.

— Não quero passar por aquilo de novo... Mas eu sei que você cuidaria de mim, não é?

— É claro que sim, senhorita. - ela dizia com um sorriso gentil. — Mas espero que não fique mais doente. Venha, vamos entrar. 

Ela estendia a mão trêmula para a garota, que segurava e não soltava enquanto atravessavam o jardim completamente coberto pela neve, nem mesmo quando entravam na mansão e começava a esquentar, mas Aime ainda tremia e ia a guiando até a cozinha. Cristine olhava para as decorações extremamente ricas e algumas estátuas, quadros e armaduras que haviam pelo caminho, ela tinha vagas lembranças de tudo aquilo, de estar brincando quando pequena correndo pelos corredores da mansão, se escondendo atrás das estátuas, derrubando sem querer algumas armaduras porquê esbarrava nelas tentando pegar algum passarinho ou borboleta e das broncas que levava de sua avó por causa disso, o que a fazia dar uma pequena risada enquanto entravam na cozinha.

— Do que está rindo, senhorita?

— Algumas lembranças, Aime. - ela dizia se sentando atrás da bancada. — Parece que fazem séculos que eu moro aqui, sabe? E ainda assim, lembro das coisas como se fossem ontem. Queria que a vovó me levasse mais pra sair e ter menos lições aqui... Ia ser mais divertido.

— Ela não te deixa sair por medo do que as pessoas podem fazer com você, senhorita. E as lições são para seu próprio bem. Quer chocolate quente ou chá de camomila? 

— Ainda tem tortinhas de mirtilos? Se tiver, quero tomar chá e comer as tortinhas com você. 

— Senhorita Cristine... Deveria parar de me dar comida e chá, se sua avó descobrir...

— Ela não vai passar por cima de mim, Aime. Ela me ama demais, você sabe que ela me criou desde o incidente... 

— Tudo bem... Chá de camomila, então.

Cristine abria um sorriso, mas logo seu semblante ficava sombrio. Sempre que falava sobre o incidente acabava lembrando de como sua mãe e seu pai haviam morrido numa abordagem de piratas durante uma viagem, parecia até que a sensação do sangue em suas mãos não ia sair nunca e, quanto mais lembrava disso, mais seu coração doía e algumas lágrimas começavam a rolar discretamente, pelo menos até sentir o toque gentil enxugando seu rosto  com um lenço. Ela olhava para frente e via novamente os olhos negros de Aime e sua feição preocupada.