Capítulo 17: Passos Iluminados

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Algo havia mudado. 

Esse pensamento invadia a mente de tantas pessoas ao mesmo tempo naquele dia sombrio, anos atrás... Até os dias de hoje, ainda sem solução, dois assassinatos e duas crianças sequestradas. Sem rastros, sem alarde, com muitas questões em aberto, sem solução. Suspeitos? Nortenhos, claro. Quem mais iria fazer mal àquelas duas mulheres que quebravam todos os dias os limites das possibilidades? Quem faria mal a seus filhos, que não herdaram culpa de nada? Doces e inocentes crianças... Algumas pessoas tem quadros delas pendurados por aí, principalmente os que eram defendidos por uma ou salvos por outra. Se o Destino não tivesse sido tão cruel enquanto tecia a história delas... Mas você? Você não acredita no Destino ou em nenhum outro, não é? Você sabe que a maldade reside no coração dos vivos, apenas esperando uma chance pra dominar e causar a qualquer um no caminho dor e sofrimento inimagináveis, por puro prazer. Você estava lá, e não fez nada a não ser olhar. Observou tudo, em silêncio. 

"É mentira!", talvez você sussurre ou pense. "O que eu poderia ter feito, mesmo que estivesse lá?". "Se eu pudesse, mudaria tudo!"... Mas o que te faz diferente das crianças que observaram a tragédia, impotentes, carregando pra sempre essa dor? 

— É diferente... Pois eu não vou ficar de braços cruzados. E não sou mais criança.

Angelo reluzia quando se levantava da cama do hospital, com uma lágrima correndo pelo seu rosto. De alguma forma, ele sabia o que aconteceu. Ele sentia que tinha que contar a eles, mas não era a hora. Agora, ele tinha uma coisa muito mais importante a fazer e não podia perder tempo. Ele olhava as mochilas que estavam perto de sua cama, sua espada brilhava tão intensamente que parecia flutuar, então a pegou enquanto suas roupas mudavam para as que tinha saído de Hinasil e, como um flash ofuscante de luz, ele desaparecia.

Centenas de quilômetros distante de onde estava antes, ele reaparecia. Estava agora em um belo campo aberto, sentindo brandamente a brisa suave acariciando seu corpo e seus cabelos com o cheiro da terra e das folhas molhadas pelo orvalho da manhã, o trinado dos pássaros parecia música distante entrando em harmonia com o barulho dos cascos dos bois que trabalhavam carregando a colheita daquela terra, o riso das crianças brincando nos pastos e os gritos de suas mães e pais os pedindo pra ter cuidado faziam os sons da vida parecerem tão próximos que sequer precisava abrir os olhos para conseguir visualizar o que acontecia. Se prestasse um pouco mais de atenção, conseguia ouvir até o som da grama crescendo, dos insetos andando e das sementes abrindo em baixo do solo. Tudo estava diferente agora. Ele estava diferente. Mas não era hora pra ficar apenas admirando a vida e suas delicadas nuances, era hora de mudar as coisas. 

Não demorava tanto para que suas pernas começassem a se mover para o lugar onde queria ir, sua terra-mãe, sua tribo, Hinasil. Seu caminho não era abalado por seres de raça alguma, parecia que tudo estava livre e não haviam mais impedimentos que o desviasse de seu objetivo. A noite chegou e ele não sentia cansaço ou fome, então continuou. Seus olhos, mesmo fechados, pareciam iluminar o caminho que queria seguir em segurança e nenhum dos terrores noturnos sequer chegou perto do jovem Enali, que continuava a andar.

Vários dias se passaram até que precisasse sentar à sombra de uma macieira para descansar e comer pouquíssima comida para se satisfazer. Apenas uma aura parecia o olhar à distância, mas isso já não o incomodava mais. As coisas iam mudar. Quando se sentiu pronto novamente, voltou a andar e agora sentia que aquela aura o seguia. 

— Não precisa se esconder. - ele dizia. — Sei que está aí.

— Desculpe... - uma voz relutante se seguia. — Não pude deixar de notar... É raro alguém tão belo aparecer do nada... Quis te acompanhar um pouco pra saber pra onde vai.

Herança de Sangue, Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora