Capítulo 20: O Animlu na Escuridão

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As macieiras que ele encontrava já tinham perdido as folhas e não tinha sequer sinal de maçãs por perto, nem quando escavava um pouco a neve conseguia achar. Talvez estivesse frio demais para que essas frutas sobrevivessem, então teria que ir até alguma cidade e voltar antes de anoitecer, o que era claramente impossível. Por isso, começou a buscar por sons de fogueiras crepitando ou de cascos e rodas ou de conversas, até mesmo gritos de socorro eram possíveis sinais de grupos andando por ali e geralmente esses grupos tinham comida, o que era sua melhor chance de conseguir maçãs. Mas as Montanhas Sussurrantes não tinham esse nome à toa, o vento que entrava pelas cavernas parecia conversar, imitar vozes, parecia até mesmo que fantasmas estavam passando pela montanha, falando, gritando, discutindo, rindo, era difícil demais diferenciar os sons dos vivos do sussurro das montanhas. 

Rey começava a subir a montanha para procurar por um lugar um pouco menos barulhento, quando finalmente ouviu o som de uma fogueira crepitando e conversas acaloradas que pareciam mais uma discussão. Talvez não fosse exatamente o lugar certo para ir, mas podia ser sua única chance de conseguir a maçã antes de escurecer. Quanto mais se aproximava, mais sons conseguia escutar e mais seu coração acelerava. Eram sons bastante conhecidos... Chicotes, correntes, choro, gritos, risadas, o cheiro de sangue e pelos queimados, com toda certeza eram Experimentos como ele e povo ruim como sua antiga senhora. Quando finalmente conseguiu se aproximar da escarpa, conseguia ver vários Experimentos crianças acorrentados, ensanguentados, muito magros e com farrapos como roupas. Seus olhares vazios só mostravam que não estavam mais aguentando toda essa dor e sofrimento. Ele olhava em volta e via um elfo muito bem vestido com casacos de pele e uma guarda pessoal de cinco soldados armados com espadas, lanças, adagas e escudos. Mas também via a carroça grande e chique com cheiro de carne, frutas e especiarias. Provavelmente um comerciante rico querendo cortar caminho e não querendo pagar pra entrar em alguma cidade. Ele tinha visto muito disso com sua antiga senhora. Nesse momento, o que precisava fazer era arranjar um jeito de chegar na carroça chique. Pelo jeito que eles ainda estavam ajeitando as coisas, não tinham parado há muito tempo, visto que ainda estavam montando uma tenda para o senhor deles, então ia ter uma chance quando a noite começasse a cair. Ele olhava para trás e torcia para que Esmeraldo continuasse vivo até ele chegar, mas agora começava a bolar um plano enquanto se escondia da vista dos guardas.

A luz do sol estava tingindo a neve da montanha de rosa, os flocos que caíam suavemente pareciam pequenas gotas de fogo flutuando e uma fada cansada de voar se sentava no ombro de Rey, que estava escondido no topo de uma árvore morta coberta de neve. Ele estava começando a tremer de frio, mas tinha seu plano bem arquitetado. Ainda assim, estava ansioso demais para ficar calmo. Se algo saísse diferente do planejado, ele podia ser morto ou pior... Se tornar escravo de novo. A fada que pousou em seu ombro voltava a voar depois de um tempo, chamando a atenção do jovem Experimento até que ela desaparecia no meio da montanha nevada. Talvez fosse a hora de começar. Com muito cuidado, ele desceu da árvore e começou a se aproximar do acampamento pela escarpa da montanha. O vento frio ameaçava o derrubar a qualquer momento e seus dedos doíam demais por ter que escavar um pouco a neve e a pedra na parede para conseguir se firmar e subir com mais tranquilidade. Aos poucos conseguia ouvir o som das conversas dos guardas que estavam perto da beirada e quase era atingido por um jato de água mal cheirosa, mas a sua subida continuava até conseguir ouvir que o chefe era uma pessoa ruim que pelo menos pagava bem e que era mais fácil deixar ele pra morrer depois de dormir, ao que o outro repreendia dizendo que ele podia ouvir e que ele viu o que acontecia com quem desrespeitava aquele cara. Não importa o que ele tenha feito, deve ter sido algo muito cruel, já que o outro começou a feder com cheiro de medo. Isso não importava muito, agora que já estava quase na beirada da escarpa e o vento estava ficando cada vez mais forte e a luz do sol estava dando espaço para a escuridão da noite. Ele se segurava com bastante força para não cair e, quando finalmente ouvia os passos dos guardas se afastando, tentava espiar o lugar. Estava calmo, os experimentos estavam todos em volta da carroça chique, segurando as mãos e formando uma corrente de escravos com um dos guardas rondando e dando batidas nos que estavam começando a se curvar de dor ou de frio ou de sono, o que enchia Rey de raiva e dava ainda mais vontade de fazer algo contra o tal senhor dessa carroça chique. Mas, no momento, precisava entrar e sem o guarda parado na única entrada acessível perceber. Tinha chegado a hora de botar o plano em prática. 

Herança de Sangue, Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora