⁰⁹ || Não foi por falta de avisos

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      A madrugada despontava no firmamento ao som do meu estômago que rugia como se eu não tivesse degustado um bocado em dias

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      A madrugada despontava no firmamento ao som do meu estômago que rugia como se eu não tivesse degustado um bocado em dias. Contudo, o desastre do jantar dissipara qualquer vestígio de fome que ainda pudesse persistir. Quais as chances de eu estar interpretando errado o cenário diante de mim? Um homem cujo coração fora dilacerado, agora perambulando descontente, despejando sua amargura sobre aqueles mais próximos, numa tentativa desesperada de refrear a dor que o assombrava. Assim, arrastava consigo para a mesma penumbra em que se encontrava aprisionado e solitário. Seu único equívoco ao tentar me envolver residia em esquecer que eu já me encontrava lá embaixo, no mais profundo e gélido abismo, afogada nas águas mais glaciais, encerrada em minha própria angústia torturante. Cravar mais algumas lâminas enquanto minhas feridas ainda jorravam não me afundaria mais do que já estava nessas entranhas sombrias.

     Abracei a mim mesma para enfrentar o frio que se insinuava, fechando as janelas para impedir a entrada do vento cortante que soprava lá fora. O clima exterior refletia a tempestade que se formava em meu interior, um presságio de uma chuva intensa, talvez um dilúvio iminente de emoções não expressas.

     Naquela madrugada, não pretendia ficar confinada no quarto, entregue a inércia. Não mesmo! Com uma casa tão espaçosa, certamente haveria algo capaz de desviar minha atenção e oferecer refúgio temporário para me distrair da desordem que se desenrolava.

     Segurei a maçaneta, decidida e receosa, um misto de receio e determinação tomou conta de mim, pois sabia que, ao abrir aquela porta, estaria enfrentando os espinhos afiados de um ser lacerado. Seria ignorância permitir que me delimitassem como um animal em sua jaula, se bem que, para ele, eu já não era vista como plenamente humana.

     O quão arcaico era esse lugar? As luzes que percorriam os corredores emanavam de candelabros antigos, seus tons umbrosos projetando uma atmosfera de elegância decadente. A mansão, um templo de luxo e requinte, parecia ter suas fundações entrelaçadas com a passagem do tempo, como se as paredes tivessem memórias que datavam eras atrás. Persistindo pelo corredor suntuoso, deparei-me com uma escadaria no final, à esquerda, um corredor adornado por nobres tapeçarias, belos quadros e vasos floridos. Curiosa, ignorei a chamada das escadas, continuei por aquele corredor, onde grandes janelas do chão ao teto permaneciam abertas, permitindo que uma brisa suave acariciasse as cortinas que ondulavam em uma dança sutil.

     O frio que penetrava era como a respiração de um espectro, envolvendo o ambiente em um abraço cadavérico. Os tecidos finos, quase como mortalhas, pendiam em desalinho, capturando a luz lunar que, em feixes traiçoeiros, perfurava as cortinas esvoaçantes. Por um instante, a cortina permitiu que um feixe de luz lunar escapasse, transformando-se em um raio prateado que se estendeu e, por capricho do destino, iluminou a porta à distância. Foi como se a lua, cúmplice silenciosa, decidisse revelar o que a escuridão teimava em esconder. Sua madeira negra e enigmática parecia guardar segredos entranhados em seus veios. Avancei em direção àquela porta e a cada passo mais perto, o frio parecia se intensificar, como se algo conspirasse para deter minha marcha em sua direção. O brilho suave delineou a silhueta da madeira, destacando detalhes intrigantes. A moldura da porta, adornada com entalhes intrincados, retratava figuras antigas, como runas, símbolos longe de meu entendimento. Em alguns lugares, a madeira se desgastara, revelando detalhes borrados, como se o tempo tivesse tentado apagar deliberadamente certas imagens. Cada centímetro dela parecia pulsar com uma energia antiga, ansiosa para expor o outro lado. Segurei firme a maçaneta de prata que brilhava como se a pouco tivesse sido polida, significando que alguém esteve naquele mesmo lugar, e a girei, lentamente, empurrando-a com cuidado. Devido à sua grandeza, era também muito pesada.

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