²⁸ || Um lugar seguro

4.5K 304 113
                                        

³³¹⁷Words

      O quarto estava em silêncio, e aquele vazio parecia ecoar em mim

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

      O quarto estava em silêncio, e aquele vazio parecia ecoar em mim. Olhei para o lugar onde ela dormia, e a ideia de nunca mais vê-la ali me corroía, como uma sombra que cresce sem parar. Mas eu sabia que não podia me permitir fraquejar agora. A mantive aqui por uma razão, mas não há mais razão.

   A decisão já estava tomada, mesmo que arrancasse um pedaço de mim no processo.
Em cada decisão que tomei, tive meus motivos. Mas o que é razão para mim nem sempre é para o outro. Sei que errei — talvez mais do que acertei — mas como poderia ser diferente? Sou um demônio, alguém que já conheceu a luz, mas a rejeitou. Onde quer que eu vá, onde quer que eu toque, deixarei um rastro de dor maior que qualquer alegria, de insatisfação maior que qualquer prazer. E me contento com isso, enquanto não a atingir.

   Mas sei que esse contentamento é frágil. Cada vez que me aproximo, sinto o peso do que sou, e é impossível não me perguntar: até quando conseguirei evitar o inevitável? Posso me enganar, fingir que sou capaz de controlar as trevas que carrego, mas no fundo sei que estou apenas adiando o momento em que tudo se quebrará. Eu sou a própria ruína que destrói aquilo que toca. E quando esse momento chegar, não haverá retorno. Será o fim dela — e o fim de mim.

    Lauren merece mais. Mais do que os perigos que se aproximam, mais do que as sombras que eu carrego. Ela merece uma vida em que a escuridão não ameaça cada passo, onde o medo não é uma sombra constante que paira sobre o seu sorriso. A escolha foi minha, e é melhor que ela não precise viver com as consequências. Melhor que ela se lembre de mim como algo distante, uma lembrança que aos poucos se esvai, em vez de um fardo que nunca desaparecerá.

    Olhei pela janela, a luz do amanhecer começando a tingir o horizonte. Aquela luz... parecia zombar do que eu sentia. Era como se o mundo seguisse em frente, indiferente à dor que se espalhava em cada fibra do meu ser. Eu havia deixado tudo preparado — uma casa para ela, um lugar onde o sol entra pelas janelas pela manhã, onde o jardim floresce mesmo nas estações mais frias. Eu quis garantir que, ao menos, ela não se sentisse desamparada, que soubesse que há um futuro para ela, mesmo que esse futuro não me inclua.

    Há um consolo amargo nisso: saber que ela terá a chance de escolher por si mesma, sem as correntes que eu trazia. Ela terá o mundo diante de si, as possibilidades que eu jamais poderia lhe oferecer. É o que ela merece. E eu… eu aceitarei o vazio que ela deixará para trás. Esse eco constante que me acompanhará, sussurrando tudo o que poderíamos ter sido.

    Quando deixei a chave sobre a mesa, a mão tremia um pouco, mas eu a segurei firme. Preciso que ela entenda que não há caminho de volta para nós. Preciso que ela siga em frente, mesmo que isso signifique caminhar para longe de mim. Não posso arrastá-la para o abismo em que me encontro. Eu sei que ela sofrerá no início, que vai me odiar por isso, mas prefiro que me odeie a vê-la presa na minha escuridão.
No fundo, sei que ela vai encontrar uma forma de entender. É uma das coisas que sempre admirei nela: essa capacidade de ver além da superfície, de aceitar o que é inevitável. Ela entenderá que essa é minha forma de amá-la — de deixá-la partir para que possa ser livre, mesmo que essa liberdade me condene a uma solidão que eu nunca havia conhecido. O que seria difícil.

MEᑌ ᗪOᑕE CᗩTIᐯEIᖇOOnde histórias criam vida. Descubra agora