Prólogo

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Letícia Alves

Elas não são poucas e nem estão à deriva na vida. Continuo andando pelo pátio de braços cruzados observando todas as mulheres que assim como eu estão atrás das grades.

Muitas são mães e estão longes dos seus filhos, ou filhas que estão longe de suas mães, fico me perguntando se elas forem as provedoras do lar, como estão seus dependentes nesse momento? Não fiz amizade nesses meses que estou aqui, na verdade nesse lugar, ninguém é amigo de ninguém.

Elas foram presas por algum motivo, metade delas por envolvimento com o comércio de drogas, outra parte - a que me incluo - estão por assassinato.

Mas será que elas são inocentes assim como eu? Será que mulheres deveriam mesmo estar encarceradas?

Sentei no pequeno degrau e olhei para o céu, pelo menos aqui eu consigo ver o sol, sentir o vento, olhar as nuvens e relembrar da jovem sonhadora que morreu desde a morte da avó. Suspirei e logo me arrependi por conta do forte cheiro de cigarro, meu corpo todo treme, odeio esse cheiro, não suporto.

Esfreguei meus braços espantando essa sensação, e fixei meu olhar no enorme muro a nossa volta me perguntando se essa foi a melhor solução para meu problema. Será que eu tinha outro caminho? Sorrio de forma amarga, não, eu tenho teria outra saída.

Era fazer aquilo ou seguir sendo humilhada todo santo dia.

Mas agora, não tenho expectativa nem esperança no futuro, o que eu vou fazer quando finalmente esse julgamento acontecer? Eu sou a vítima, mas o sistema punitivo aprisiona pessoas vulneráveis, ninguém acreditou em mim, ela poderia me ajudar, mas não, preferiu me acusar como todos os outros.

Aqui vi pessoas morrendo, vi sangue, vi muita coisa que nunca imaginei ver, mas só acordar todo dia, agradeço, pois sou uma sobrevivente.

Mas cadeia não serve para nada. Estou aqui trancada, não fiz nenhuma atividade, minhas funções cognitivas, audição, paladar, olfato, não são estimuladas. Então estar aqui não trouxe melhora nenhuma para a sociedade. É um sistema totalmente ineficaz, ninguém se reforma.

Eu fico me perguntando como vai ser quando eu sair? Eu preciso tomar uma decisão: volto a ser quem eu era ou sigo um caminho diferente?

Se eu continuar nessa cidade vou viver como uma Zé ninguém, mas como ir para outro lugar se eu não tenho nem amigos? Ele nunca me respondeu, nem se quer sei se recebeu minhas cartas.

Eu queria tanto ser a exceção, dar a volta por cima, enterrar esse passado de dor e recomeçar minha vida. Sequei minha lágrima que insistiu em cair, não vou chorar, não posso chorar.

Eu vou e preciso recuperar minha dignidade.

Hoje é dia de visitas, o pátio vai ficando cheio, levanto limpando a mão na calça que uso, vou voltar para a cela, como sempre ninguém vem me visitar, nunca vieram, então hoje não vai ser diferente.

Estava caminhando de volta quando uma voz que eu não ouvia há muito tempo me fez parar, meu coração bateu tão forte que eu pensei que fosse enfartar, quando virei o encontrei ali, com aquele mesmo sorriso, aquele olhar que me colocava para cima.

- Diva, por que você não me contou?

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