Capítulo 10

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Caminhamos em um silêncio agradável durante alguns minutos. A luz da lua ilumina a trilha e fica fácil de seguir, consigo escutar o barulho dos insetos que vivem aqui e o cheiro do mar misturado com o da floresta, cria uma fragrância particular que eu conheço muito bem. É o mesmo aroma que eu sentia quando era criança e ainda morava em uma cidade costeira que era cercada por bosques, campos e água.

Meu peito se aperta com a lembrança que surge tão vívida na minha mente. Se eu não tivesse sido tão estúpida naquela época, talvez ainda morássemos na nossa casa na colina, de frente para o oceano. Sei como foi difícil para a minha mãe ir embora, ela não confiava mais em mim para ficar tão perto do mar, mas ver seu olhar desolado enquanto nos afastávamos... isso foi algo que eu não seria capaz de esquecer nem se quebrasse minha cabeça em mil pedaços.

Vane está alguns passos na minha frente, completamente alheio ao meu desespero interno.

— Então... vamos encontrar sereias? — Tento iniciar uma conversa para distrair minha mente dessas lembranças e para quebrar esse silêncio que se instaurou entre nós.

— Provavelmente — responde — Teremos que comprar cera de abelha antes de deixar a cidade.

— Cera de abelha?

— Para tapar os ouvidos, assim o canto delas não tem efeito nos homens.

— Não afeta mulheres?

— Não do mesmo jeito que afeta os homens. Sabe aquela música que você estava cantando para o Kiran aquela vez?

— Sim — ele começa a descer por uma trilha secundária que eu não consigo ver — Sobre uma princesa que virou um monstro depois de perder o seu amor.

— É uma música sobre a lenda das sereias — Ele ergue um galho para que eu possa passar por baixo — O mar a ajudou a se vingar de quem matou o seu amado, mas depois a transformou em um monstro, a primeira sereia. Diz a lenda que mesmo depois de transformada, ela ainda não suportava a perda do pirata e que foi esse sentimento que a manteve metade humana. Mas essa dor e essa solidão fizeram coisas com a mente dela e então ela começou a se aproximar de navios para tentar encontrar seu amor que já estava morto há muito tempo, mas que ela se recusava a aceitar. O seu canto atrai os homens para a água, mas sempre que percebe que não é a pessoa que busca, a raiva a domina e ela o mata.

— Mas em teoria, só poderia existir uma única sereia se a lenda fosse verdade.

— O canto dela também afeta mulheres, porém somente mulheres que perderam alguém que amavam. Por isso a maioria dos capitães não leva viúvas em seus navios. Elas podem escutar o canto e se jogar no mar.

— E então mais uma sereia seria criada — murmuro — Mas a música também diz "quem no mar estiver e um amor não possuir, seguro não estará", o canto não afeta pessoas apaixonadas?

— Não — Vane para de repente e fica de frente para mim — Porque o canto delas te promete somente uma coisa, amor. Se você já ama alguém, verdadeiramente, então não é enfeitiçado por uma sereia porque já está enfeitiçado por outra pessoa.

Vane volta a seguir a trilha que somente ele enxerga, a cada passo que damos a floresta fica mais densa e mais escura.

— Por que elas vivem em tribos? — pergunto.

— Ninguém sabe. Talvez a solidão que elas sintam fez com que criassem um senso de irmandade ou algo assim.

— Até mesmo monstros não querem viver sozinhos — sussurro.

Ele não responde e então seguimos em silêncio por mais algum tempo. Até que de repente a floresta é banhada pela luz dos vagalumes, eles iluminam parcamente o caminho e é como se andássemos no meio de estrelas.

Entre Mares e FeitiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora