Capítulo 13.2

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Nesse pequeno instante de loucura eu consigo discernir três coisas. A primeira é o latido enlouquecido de Kiran; a segunda é meu nome sendo gritado de forma desesperada e a terceira é a dor alucinante do meu braço direito que está ferido e segurando o meu peso e o de Cordélia do lado de fora do navio.

— ME SOLTA! — ela se debate abaixo de mim, mas em vão.

Consegui segurar o seu espartilho e congelo a minha mão ao redor da corda que o prende, a outra mão está na amurada, também congelada. Estamos presas ao barco.

Não sei por quanto tempo vou conseguir aguentar nós duas, mas minha saia encharcada mais o peso da mulher que está se sacudindo como minhoca em solo quente faz com que minha mão comece, aos poucos, escorregar. Água salgada entra nos meus olhos e me obrigo a fechá-los. O ardor em meu braço fica mais forte e o gelo começa a ceder, pois não consigo me concentrar o suficiente para mantê-lo. 

Logo abaixo de nós, sereias nadam e tentam puxar Cordélia para baixo. Elas são cobertas por escamas até a cintura, mas o resto não parece pele humana. A parte superior é coberta com uma pele oleosa, parecida com a de uma baleia, seus cabelos estão presos longe do rosto e elas não possuem orelhas; na lateral do pescoço consigo identificar suas guelras, o que acho curioso, pois vejo que elas ainda possuem nariz no centro do rosto, mesmo que ele tenha um formato achatado.

Quando uma delas pula novamente para agarrar o calcanhar da Cordélia, consigo notar que entre seus dedos há uma grande quantidade de membrana os conectando e suas garras são afiadas o suficiente para rasgar o pescoço de qualquer um abordo.

— Lyssandra! — Olho para cima e vejo Astrid se inclinando para segurar meu braço.

— Não sei quanto tempo mais consigo aguentar — a informo.

O navio se inclina, Cordélia fica perigosamente perto da água e sinto o gelo que me segura quebrar mais um pouco. De repente uma onda nos atinge com força, fazendo com que nós duas batamos no casco com muita força. Cordélia para de se mexer e quando a água recua por completo, vejo que ela desmaiou. A parte boa é que ela parou de se debater, a parte ruim é que parece que ela ficou muito mais pesada. Meu braço queima onde ela o cortou e começo a me sentir fraca, não sei se por causa da perda de sangue ou por segurar nós duas do lado de fora do navio em meio a uma tempestade.

Pode ser as duas coisas também.

Sei que não vou conseguir segurar por muito mais tempo, então jogo o corpo da Cordélia para frente e para trás, criando o efeito de pêndulo. Vejo um dos marujos ao lado de Astrid e ele parece entender o que estou fazendo, pois se inclina para fora do navio e estende os braços tentando pegá-la.

Escuto o choro de Kiran por cima do barulho do vento e isso me dói o coração. Ele está desesperado por me ver assim. Não faz nem um dia desde que aqueles piratas malditos tentaram me matar e eu já me enfiei em outra situação ridícula de vida e morte.  E é com essa raiva que nasce no meu âmago, por não ter um dia de folga desde que pisei nesse navio, que reúno força o suficiente para jogar essa mulher em direção ao parapeito. 

Quando o marujo segura sua camisa e a iça para cima, a magia Fria que me prendia a ela e ao navio desaparecem e eu escorrego para baixo. Arranho a madeira até conseguir formar uma depressão de gelo e me segurar. O Canto parece ter ficado mais alto a ponto de ser insuportável e isso começa a me deixa tonta. Balanço a cabeça de um lado para o outro para clarear a mente e tento rastejar para cima, me prendendo ao casco com gelo. É uma tarefa demorada e sinto todos os músculos do meu corpo ardendo como se estivessem pegando fogo.  

Próximo, onde acredito que deva ser o chão do convés, há uns sulcos que permitem que eu me segure melhor e consigo descansar um pouco. Astrid está com um braço estendido, tentando me alcançar, mas ainda falta uns malditos centímetros. Então quando penso em me mover novamente, a primeira rocha passa por mim.

Entre Mares e FeitiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora