Capítulo 1

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        Ao contrário do que eu falava, pó de asa de mariposa-lunar não era tão bom assim para dor de dente, mas era um item caro e eu tinha noventa por cento de certeza que não causaria reação alérgica no meu cliente mais fiel, que estava agora na minha frente. Não me orgulhava de estar fazendo isso, mas eu realmente estava precisando de dinheiro.

          — Pode confiar em mim, Lino — digo com um sorriso no rosto — Com certeza isso aqui vai aliviar a sua dor. Recomendo colocar umas gotas de óleo de mircela, misturar com o pó até formar uma pasta e então aplicar no dente que está incomodando.

          — Já é a terceira vez que venho até aqui e toda vez você me recomenda algo diferente — resmunga.

          "E você ainda não procurou um Curandeiro Real, seu velho teimoso" penso comigo mesma.

          — É que esse produto é mais forte e só recomendo quando a dor persiste muito, você sabe que é assim que funciona. Mas se você acha que é um caso mais sério então deveria ir até um Curandeiro Real.

          — Nada de Curandeiro Real, aqueles pilantras só querem o nosso dinheiro — Ele eleva a voz e então leva a mão até a lateral direita do rosto, provavelmente por causa da dor causada pelo dente infeccionado.

          — Tudo bem, tudo bem. Então, um pó de asa de mariposa-lunar e um óleo pequeno de mircela, correto? — pergunto enquanto levo os frascos até o balcão no fundo do meu pequeno boticário.

          — Sim. Quantas moedas? — ele pergunta enquanto me acompanha.

          — O pó é uma de prata pequena e o óleo são vinte de bronze — Respondo enquanto embalo o pedido num pequeno saco marrom.

          — Uma de prata pequena? Eu espero realmente que isso valha a pena — Ele retira um pequeno saco de couro do bolso e me passa as moedas — Não aguento mais, não consigo comer, não consigo dormir, não consigo nem falar direito e tudo isso por causa dessa dor.

          Olho bem para Lino dessa vez e ele está com uma sombra escura embaixo dos olhos, as bochechas estão começando a ficar fundas e reparo um leve caroço em sua mandíbula direita. Percebo que o que é que ele tem já está cobrando um preço alto em sua saúde e o conhecendo do jeito que eu conheço posso garantir que ele esperou o máximo até vir ao boticário na primeira vez esse mês.

          Quase cancelo a venda. Quase. Eu ainda preciso desse dinheiro, minha dívida fica maior a cada mês que passa, da última vez que conferi já estava em 75 moedas de ouro e isso foi há três meses. Mas ainda assim, me sinto mal por só estar vendendo um anestésico e não um tratamento de fato e é por causa do meu coração mole que decido que esta noite eu irei usar minha magia para curá-lo.

          — Eu te garanto que dessa vez vai dar certo. Pegue meia colher do pó e despeje em uma tigela limpa, coloque quatro gotas do óleo e misture bem até formar a pasta, passe ao redor do dente e na gengiva e então vá dormir. Amanhã quando acordar você nem lembrará da dor —
Lhe entrego o pacote enquanto termino de falar, percebo que ele está prestando atenção no que digo, mas em seu olhar vejo um pouco de dúvida.

          Admito que não me admira ele não confiar muito em mim nesse momento, já é a terceira vez nesse mês que ele me pede um remédio para a dor e vejo que se dessa vez não funcionar talvez ele não venha mais aqui.

          — Eu realmente espero isso — Murmura, então pega o pequeno pacote e o guarda no bolso interno do casaco — A propósito, onde está o Kiran? Eu trouxe um presentinho para ele.

          — Onde mais você acha que o meu amado cão de guarda está? — Pergunto rindo e aponto para a meu cão que está tirando seu sono da beleza atrás do balcão. Me abaixo e passo a mão em sua cabeça para acordá-lo — Ei, Kiran, acorda! Seu amigo te trouxe um presente.

Entre Mares e FeitiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora