Em verdade, o local deveria ser renomeado para o Novo Moinho, de tanto que a vida mudou por lá.
Nessa Lua Nova, quando desci da montanha para levar a palavra Do Um aos pequeninos (depois de forrar seus estômagos com o mingau de aveia e leite de cabra), o Mestre veio comigo.
Foi mesmo uma comoção, afinal, o Mestre é imponente, uma presença que acho que nunca vou conseguir atingir.
Sentar junto com as crianças e ouvir as histórias sobre O Um foi pura nostalgia. Para mim, o Mestre é a única figura paterna que pude ter nas minhas duas últimas encarnações. E agora estou aqui, apresentando-o para os demais membros do Moinho.
Será que ele vê meu trabalho aqui como positivo? Será que agi certo?
Como é essa questão de buscar aprovação, né?
Afinal, ainda sou seu aprendiz, e por mais que ele me tenha dado autonomia (muito por conta da profecia Do Um), eu ainda devo me reportar a ele. O Mestre é, e sempre será, o Mestre!
A história de hoje era um pouco diferente das que ele costumava contar...
- Então, naqueles dias em que tudo era alegria, com seus filhos correndo felizes, dançando e cantando junto Ao Um, alguns começaram a se achar mais especiais que os outros, seja porque se viam como mais belos (aos seus próprios olhos, pois aos olhos de O Um, todos nós somos belos), seja porque corriam mais, dançavam mais, caçavam mais. Enfim, se achavam melhores que os demais.
- Mestre Barall, eles não eram especiais por poderem fazer coisas que os outros (como nós), não podiam? Afinal, nós não podemos andar nos penhascos como vocês, nem enxergar na escuridão como o Mestre Garn. Então, somos menos que vocês, não?
- Não, criança, ninguém é maior ou menor que ninguém. Somos todos diferentes, todos refletimos a grandiosidade de O Um, que nos fez seus filhos. Que pai diria que gosta mais de um filho do que do outro? Somos diferentes, cada um à sua maneira, apenas isso.
- Mas voltando à história, o que você acha que aconteceu com aqueles que começaram a se achar melhores que os outros?
- Eu acho que eles ficaram chatos, se afastaram de nós, como se tivéssemos algo de errado. Quem se acha melhor que os outros não quer mais brincar com a gente. Ficam fazendo coisas que só os "especiais" podem fazer, zombando de nós, fazendo piada da gente...
Falou Silvia, uma pequena menina, já sabendo o que é ser menosprezada e olhada de cima.
- Exato! E vocês acham que O Um ficaria feliz com esse tipo de comportamento acontecendo entre seus filhos?
- Não, ele não ficou. Aliás, ele ficou muito triste e, depois, com muita raiva, pois, no fundo, aqueles que se achavam melhores e acreditavam merecer um tratamento diferente – melhor – estavam mesmo machucando e ferindo seus outros filhos.
- E ele não podia tolerar esse tipo de coisa. Algo tinha que ser feito!
Foi aí que ele viu Scarn, um de seus pequeninos, que havia sido convidado para brincar com seus novos amigos, mas foi só para ser menosprezado, xingado, ridicularizado pelo que vestia, pela forma como falava, e chutado para longe quando já não aquentava mais o sofrimento das brincadeiras de mau gosto desses falsos amigos. Abandonado e sozinho, ele caiu no choro.
- O Um viu o que aconteceu, teve pena de Scarn e sentiu raiva. Era um sentimento que ele ainda não conhecia, e ficou com vontade de punir seus filhos, para que soubessem o que era essa dor e pensassem muito bem antes de fazer outro de seus filhos sofrer.
Assim, O Um abraçou Scarn e o manteve em seus braços até que ele se sentisse melhor. Então, disse a ele:
- Vá, seja meu arauto. Proteja seus irmãos e irmãs de todos aqueles que tentarem machucá-los, seja em atos ou palavras. Meu desejo é que todos sejam amigos, que se ajudem nas dificuldades, se alegrem na bonança e compartilhem o dom da vida que lhes dei de forma feliz, como meus filhos.
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Lobo em pele de Cordeiro
FantasyA história de Garn, o flagelo do Velho Mundo, sacerdote Do Um, trazido para destruir os humanos encarnados que vieram antes dele mas que escolheram trair o Deus Criador desse mundo, criando uma nova Igreja: a Igreja dos Heróis. Esses antigos encar...