CAPÍTULO XXII

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J I M I N

O passado não podia ser consertado.

Eu tentei mudá-lo, ajustá-lo para o que deveria ter sido e não o que foi. E havia momentos em que era preciso fechar os olhos, repousar a cabeça sobre um ombro quente, acolhedor, vítima dos meus muitos atos assassinos e egoístas; e acostumar-me com a verdade triste, injusta: não dava para voltar e reconstituir os passos.

Os meus erros permanecerão sendo meus, existindo materializados em Jungkook. Aqueles olhos roxos nunca me deixariam esquecer as piores decisões que tomei, os anos que perdi lamentando por um homem que me deixou para trás, o tempo gasto em planos para me livrar do único ser que nunca me fez mal: ele, o príncipe corvo.

Revelar a Jungkook o nome "Benício" rasgou-me inteiro. Não por preocupação, ou talvez fosse, eu não sei... Há dez anos não proferia esse nome, me recusando a pensar nele concretamente. Fazê-lo agora abria todas as cicatrizes que eu costurei sozinho, além de decretar a morte de Benício, pois Jungkook o mataria — caso não estivesse morto.

Apertei as pálpebras mais intensamente, esquecendo do mundo envolta e do peso de me tornar rei. Atentei-me unicamente ao calor do corpo de Jungkook, a sensação de suas mãos explorando-me da cintura para baixo e da sua respiração aquecida soprando contra a minha bochecha.

A música acabou — ele disse, expulsando o esconderijo no qual eu havia me enfiado: os seus braços.

Afastei nossos corpos e mirei o salão. Todos continuaram a fingir que nada aconteceu, que o novo rei de Solis não dançou com outro homem; o falatório iniciaria logo que saíssemos de cena e foi o que eu fiz. Lancei um olhar certeiro ao príncipe do meu lado, ele não demorou a compreender e me seguir para fora do local, até um dos escritórios do castelo onde nos tranquei sozinhos.

— Não temos muito tempo — avisei, sem fôlego pela rapidez com que andamos.

Comecei a circular na sala, as mãos na cintura e os dentes esmagando o lábio inferior, em busca de alívio para o desespero e as pontadas em cada lado da minha cabeça. Pense, pense, pense. Seria fácil por a responsabilidade nas costas de Jungkook se eu não me importasse em arruinar a única chance que me foi dada de conquistar sua confiança. Apesar de todas as restrições que ele impôs, não era uma opção. Além disso, um rei de verdade deveria arcar com as consequências de suas ações e era quem eu gostaria de ser, afundar o garoto assustado no solo grotesco de Solis e tornar-me digno da coroa.

— Vai abrir um buraco no chão — a voz arrastou-se, provocadora.

Parei e ergui ambas as sobrancelhas.

Longe de qualquer mínimo sentimento ligado à preocupação, Jungkook tinha as pernas bem abertas e relaxadas sob a calça escura, estiradas na mesa que usava de assento. Os contornos de seu corpo se escondiam sob as sombras do escritório e das roupas de tecido grosso, principalmente o casaco cobrindo a camisa branca. Pendi o rosto para o lado, o acúmulo da umidade abaixo dos meus olhos e na curva sob o meu queixo eram provas de que a preocupação criou raízes, mas estar nesse estado sozinho ampliou o que eu sentia.

— Não compreende a gravidade do que fizemos?

— Eles não vão te matar, Jimin — repetiu preguiçosamente.

Torci os lábios ao ouvir o meu nome sair da sua boca outra vez.

Não tê-lo chamando-me de "raio de sol" não deveria atormentar-me com tamanha intensidade, porém tem sido assim, meus ouvidos a espera de um descuido seu para eu finalmente me deleitar com a sonoridade familiar da sua voz dizendo o que — ironicamente agora — ansiava por ouvir. Antes, o apelido fazia-me recordar de uma versão minha perdida no passado, pedi incontáveis vezes que parasse, mas sua ausência distorceu, interferiu no pouquíssimo ar que eu inspirava e proporcionou o oposto aos meus sentidos.

LENITIVO • jikook Onde histórias criam vida. Descubra agora