Puxei aquelas páginas das mãos de Kaden, ficando de pé e me afastando dele. Ele tinha tido seu tempo lendo aquelas palavras, enquanto eu precisava entender se estava lendo mesmo aquilo. Se aquelas coisas eram mesmos reais. Mas os versos não enganavam. Podia ser apenas um conto pequeno de uma história enorme. Mas era a minha história. A minha história em cada verso de algo que deveria ser apenas uma lenda.
—Isso não pode ser possível. —Soltei, lendo de novo e de novo, até aquilo estar grudado na minha cabeça. A história que eu sabia muito bem como começava e até onde ia. O final como sempre era interpretativo. Um toque de algo que poderia ser e ao mesmo tempo poderia não ser.
—Na verdade, acho que faz muito sentido. —Kaden caminhou até se sentar exatamente na cama que eu dormia, cruzando os braços na frente do peito enquanto parecia pensar no óbvio. —Por isso ela explicou tudo a vocês. As deixou prontas para a história que ela mesmo leu nesse livro e soube que era sobre vocês.
—E por que arrancar as páginas? Por que fazer isso em vez de simplesmente nos contar? —Questionei, quase amaçando aqueles papéis nas minhas mãos, porque o fato de as respostas estarem bem ali esse tempo todo estava me deixando furiosa. Parecia que todo mundo tinha dado um jeito de me enganar de alguma forma.
—Vocês eram crianças, então acho que ela pensou que era apenas mais fácil contar histórias para dormir do que jogar essa verdade em cima de vocês duas. —Kaden me encarou com cautela, me vendo cruzar o quarto até aquelas bonecas no chão, checando se não havia mais nada ali. —Acho que ela fez o melhor que pode, Avery.
—A questão é, a história cita três pessoas diferentes. É óbvio que a vampira nascida humana é você, mas e as outras duas? —Questionou, e eu abaixei os olhos para encarar aquelas palavras de novo, engolindo em seco quando não consegui pensar direito. A surpresa tinha me pegado desprevenida.
—Acha que eu sou a ruína? —Indaguei, umedecendo os lábios com a língua quando Kaden estendeu a mão, pedindo silenciosamente que eu entregasse as páginas pra ele. —A vampira nascida humana que irá arruinar o reino? Sei que isso não está escrito aí, mas poderia ser, não é? É aberto a interpretação.
—Acho que vamos descobrir quem você é nessa história em breve, a ruína ou a rainha. —Kaden passou as folhas, lendo as frases com curiosidade, enquanto eu sentia minha pulsação disparar um pouco. —Você sabe quem é a feiticeira, não é? Nós dois sabemos, Avery.
—Não gosto dessa coisa de Elowen ser perigosa. —Sussurrei, mordendo a língua para controlar a negação que subia pela minha garganta até minha boca. —E também não tem como ter certeza. Pode muito bem ser sobre outra pessoa.
—Ela ser perigosa não significa uma coisa ruim pra nos. Ela é sua amiga no final das contas. —Kaden deu de ombros, e eu percebi que havia alguma coisa nos olhos dele. Na forma como ele me encarava, como se existisse algo que ele não tinha coragem de dizer.
—Se ela é chamada de feiticeira na história, então o que ela é? —Questionei, e Kaden ergueu os olhos para encarar os meus. Alguma coisa hesitante atravessou seus olhos vermelhos como sangue, junto com o leve torcer de lábios. —Você sabe.
—Eu não tenho certeza. Estou fazendo uma teoria com base no que sabemos e posso estar errado, porque sabemos muito pouco. Mas com base nisso aqui. —Kaden ergueu as páginas amaçadas e as balançou, inclinando a cabeça para o lado de leve. —O que aquela bruxa disse e a minha suposição anterior, temos um nome para o que ela é. Uma coisa rara e perigosa que normalmente é morta antes que cresça e cause problemas.
—Pode parar com isso? —Soltei, engolindo um arrepio que atravessou minha pele, antes de caminhar até Kaden e pegar aquelas páginas dele, guardado-as dentro do meu vestido. Kaden riu quando as enfiei no meu decote, mas fiz cara feia pra ele, porque não estava gostando do tom daquela conversa. —Você pode simplesmente me dizer o nome, tá bom?
—Por que você tem tanto medo que ela seja perigosa? —Kaden ficou de pé e me segurou quando tentei me afastar. Balancei a cabeça negativamente, porque não era medo do que ela era, e sim do que isso poderia causar a todos nos e principalmente a ela.
—Não tenho medo dela porque acho que ela jamais me machucaria. Mas tenho medo por ela, Kaden. Você acabou de dizer que pessoas como ela são mortas ainda crianças. Então o que vai acontecer se ela realmente for isso e descobrirem? —Questionei, soltando uma respiração pesada quando Kaden apertou meu braço. Não machucava, mas eu sentia a pressão dos dedos dele na minha pele e o calor que emanava dele pra mim.
—Não vai acontecer nada, porque Elowen é adulta e sabe se defender. Se alguém soubesse o que ela é, como aquela bruxa soube, não teria coragem de sequer chegar perto dela. —Kaden soltou meu braço, erguendo a mão para tocar meu queixo. Engoli em seco, seguindo os olhos dele com os meus. —E eu não tenho certeza, princesa. Posso estar errado. Só a bruxa poderia confirmar se estou certo, já que ela claramente pode sentir o que Elowen tem.
—O que ela é? —Indaguei, porque estava começando a me sentir impaciente. Kaden ergueu uma das sobrancelhas, me fazendo hesitar e apertar os lábios. —O que você acha que ela é então?
—Chamam de feiticeira de ossos. Ouvi histórias sobre ela a décadas atrás, quando ainda era bem novo. Ela é o que as pessoas contam em histórias de terror e pesadelos que nunca desaparecerem. —A voz de Kaden foi ficando mais baixa, e o frio lá fora pareceu entrar naquele cômodo escuro, rastejando pela minha pele até entrar no meu sangue. —Seu poder é incontrolável, porque descende de uma criatura mortal que devora almas.
—Você disse aquele dia que ela podia estar ligada a morte. Era disso que estava falando? —Questionei, odiando o fato de minha voz ter vacilado um pouco, quando fiquei com medo de dizer aquilo em voz alta.
—Sim, Avery, era disso que eu estava falando. Mas não é ligada a morte de fato. É meio que uma extensão do poder dela. —Kaden abriu um sorrisinho com o canto dos lábios, mas eu podia sentir o tom sombrio na sua voz, como se ele não quisesse dizer aquilo em voz alta. —Mas se quer uma explicação literal, pode chamá-la de filha do diabo e neta da morte.
Continua...
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Acordo de Sangue Cruel
FantasyO rei das terras congeladas de Ártemis ganhou a belíssima fama de caçador de vampiros, treinando seus homens para atravessar a grande muralha que separa o território humano das criaturas cruéis que se alimentam de sangue. Quanto mais cabeças de vamp...