37 "Milagre"

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— Como você consegue reunir tantos deles?

— Eu tenho equipes espalhadas por aí, eles estão sempre de olho. Você, por exemplo, é um caso que eu não via há muitos anos, desde Oliver, é claro.

— Do que está falando?

— Alguém com sangue mestiço, metade humano, metade vampiro, me entende?! Acredite, todos que estão aqui, são vampiros comuns, em que o coração não bate mais em seus peitos, nem sangue circulam pelas suas veias, quer dizer... Não sangue comum.

E eu achava que ser como eu sou era ruim, mas olha só toda essa loucura que eu estava ouvindo agora.

— Isso não faz sentido... Como eles estão de pé se... Que confuso, como eles se transformam nisso?

— Alguns são transformados, outros simplesmente morrem e voltam a vida como vampiros, e tem você, que foi concebida de uma relação entre uma humana e um vampiro. O seu caso é raro justamente porque os clãs de vampiros baniram essa prática a séculos, eles consideram como uma traição, um vampiro se relacionar com a espécie inimiga, que nos matariam ou nos manteriam presos para estudo na primeira oportunidade.

Eram tantas informações que eu podia sentir minha cabeça doer.

— Mas aqui, além das aulas semanais, nossos garotos aprendem a se comportar como um humano comum, comer, beber, e até dormir, na verdade, dormir é a melhor parte para eles, já que eles também sentem seus corpos cansados. É claro que é uma tarefa bastante difícil alcançar o estado de sono depois que voltam como vampiro, mas com a nossa ajuda, todos acabam conseguindo.

— Quer dizer que todas essas pessoas... Irão viver com outros humanos um dia?

— A grande maioria, sim. Eles são jovens, outros recém formados como vampiros, e tudo o que mais desejam é viver uma vida "normal" novamente, é claro que temos nossas limitações, mas se essa é a vontade deles, o meu dever é prepará-los para isso.

Eu sabia como era isso, ter vontade de ser só uma pessoa normal, como qualquer outra, sem essas vontades macabras e sede de sangue. Mas não é assim que funciona, somos instáveis, e viver rodeado de corações pulsantes ao redor, não me parece uma boa ideia, ainda mais para todos esses vampiros.

— E temos os nossos garotos, que gostam do que se tornaram, e não pretendem conviver com pessoas comuns. Esses, são treinados e recrutados para cuidarem um dos outros, para garantir que nada saia do controle, ou resolver algo antes que se torne uma tragédia maior. — Ele dizia enquanto passávamos por uma janela que dava vista para um grupo de homens e mulheres treinando em grupo na área externa.

— Espera... Você disse que tinha um pai... Mas, vampiros comuns não se reproduzem entre si. — Olho confusa de volta para ele que sorri ao me ouvir falar aquilo.

— Isso mesmo, na verdade, o meu pai era humano, e depois da morte da minha mãe, as coisas não foram muito boas para mim.

— Um humano...

— Ainda no colégio, eu sofria muito bullying de outros garotos, e juntando com o luto da perca de minha mãe, eu acabei cometendo um erro, pulando do terceiro andar dessa casa.

Eu estava completamente horrorizada ouvindo tudo aquilo dele. Não fazia ideia das coisas que ele já havia passado, e o vendo tão calmo contando tudo isso, eu imagino o que mais ele deve ter passado na vida.

— O meu pai disse que quando me viu lá caído, ele me levou para casa, me colocou em minha cama, e não saiu do meu lado por um dia inteiro. Ele não aceitava a minha morte, e cerca de vinte e quatro horas depois, eu soltei um sopro forte do peito, que me trouxe de volta. Ele estava desacreditado com o que via, eu estava de volta, e não importava para ele se eu não era exatamente o mesmo de quando parti, era um milagre, e ele sempre foi grato por isso.

Sem perceber, já caía lágrimas dos meus olhos. Eu não pude crescer na presença dos meus pais, eu sequer sabia quem ele era, e apesar de lembrar vagamente da voz da minha mãe, esse ainda era um grande vazio dentro de mim.

— Talvez o universo tenha me escolhido, ao menos, era o que o meu pai me dizia.

— E então você o transformou?

— Eu tive que fazer isso, a pedido dele, eu não sabia me conter, e por mais que o amasse, eu poderia acabar matando-o em uma das minhas crises por sangue.

E é por isso que eu jamais acharei normal tudo isso...

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