AS HORAS SEGUINTES se passaram em um intenso estudo do misterioso livro de capa manchada, pousado sobre a mesa troncha, a poucos metros do riacho. Com a maior cautela, a fim de não cometer erros de interpretação, a ruiva decifrava as palavras enigmáticas vagarosamente. Enquanto ela dizia a tradução em voz alta, Beatriz anotava tudo em seu caderno, em português. Mais de vinte folhas escritas a mão resultaram daquela empreitada literária.
Ao final das traduções, ambas estavam exaustas e fizeram uma pausa para o lanche antes de prosseguir. Comeram algumas das frutas que abundavam nas florestas em torno da Cidade Perdida e que elas haviam ajudado Pietra a colher dias antes, depois, se sentaram novamente em torno da mesa para debaterem o que haviam aprendido ali.
— Pela aparência surrada do couro da capa e pelo estado das páginas roídas e amareladas desse livro, ele deve ter bem mais do que uns quatrocentos anos de história. Várias gerações de bruxas das trevas devem ter aprendido os feitiços contidos neles.
Beatriz parou para mordiscar a tampa da caneta esferográfica com que tinha escrito as traduções feitas por Fabiana. A lateral da sua mão direita ainda apresentava parte da tinta azul que a marcara como carimbo à medida que ela escrevia sobre o papel branco, mas ela não se incomodou com isso. Olhou para a marca e a ignorou no momento em que Fabiana disse:
— Talvez, esse livro fosse parte da coleção de algum dos inimigos de Pietra. A Iolanda, quem sabe? Você mesma disse que tem várias anotações feitas à mão nas bordas das páginas.
— Sim — respondeu Beatriz. — Mas isso ainda não explica porque Pietra manteve esse volume e toda uma coleção de publicações falando sobre magia sombria escondida de nós. Você leu o capítulo sobre Sekthlon. Não era uma invocação. Era mais uma biografia dele.
— O que não quer dizer que não haja outras invocações aqui — a ruiva tamborilou os dedos sobre a capa de couro do volume agora fechado sobre a mesa. — O trecho que eu li deixou bem claro que Sekthlon é um ser quase divino que vive em uma dimensão longínqua da nossa, mas que pode ser atraído pra cá e assumir uma forma humanóide antes de dizimar o mundo. Segundo as histórias descritas aqui, esse deus maluco, ou o que quer que ele seja, gosta de absorver o conhecimento e a cultura das civilizações que conquista antes de destruí-las.
— O que também não explica a razão do Séquito de Sekthlon querer atrair uma entidade como essa para o nosso mundo!
— Não, não explica. Mas tem certos cultos místicos e religiosos que nunca fizeram muito sentido pra mim — completou Fabiana, sentada de frente para a amiga e reclinando a cadeira para trás. — Vai ver, na cabeça da tal Serinda, a líder do culto onde Iolanda Columbus viveu no século XVIII, ela achava que Sekthlon a pouparia antes de destruir o planeta, ou que ela reinaria ao lado dele como um tipo de deusa. Sei lá!
Beatriz deu um riso curto, de olhos baixos, ainda a pensar no que havia escrito há pouco tempo.
— O trecho também dizia que Sekthlon já havia visitado o planeta Terra em uma época remota e que ele foi expulso daqui por uma coalisão extremamente poderosa que se colocou contra a sua sanha de destruição. É possível que Serinda não tenha sido a primeira maluca a querer atrair a serpente para o nosso mundo. Outros antes dela já devem ter tentado a mesma coisa. Talvez, até tenham conseguido fazer com que ele atravessasse o véu entre as realidades para consumir o planeta.
— Não duvido — disse Fabiana, ainda concatenando as próprias ideias. — Esse livro velho prova que cultos malignos já vêm tentando invocar seres ainda mais destrutivos para a nossa dimensão há muito tempo. Pelo menos, desde que o mundo é mundo. Serinda e Iolanda só tentaram continuar o trabalho de outras pessoas antes delas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Rosa e Dália: O Despertar das Bruxas
FantasiaFabiana Ferraz e Beatriz Diniz são amigas inseparáveis desde a infância. Motivadas pelo sonho de estudar Arqueologia e pelo desejo de se aventurar pelo mundo, elas embarcam em uma emocionante expedição universitária a Machu Picchu, no Peru. Lá, muni...