Capítulo 26 - O guardião do Stonehenge

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Condado de Wiltshire, Londres. 20 de março.

FABIANA MAL TEVE TEMPO de se inclinar quando um jato de bile quente e viscoso lhe subiu esôfago acima, ganhando vasão por sua boca. Era o último dia de inverno na Europa. O clima estava frio e seco em torno do campo relvado onde ficava localizada a estrutura megalítica de círculos concêntricos do Stonehenge.

— Ela ainda não se acostumou a viajar por entre os portais medianos, não é?

A figura magra de cabelos ralos apresentava um olhar condescendente em direção à Fabiana, conforme a moça se esvaía em vômito. Beatriz a ajudava segurando os seus cabelos ruivos, não deixando que ela os sujasse com o jorro esverdeado que ejetava da boca quase sem parar. Os três estavam sob a sombra de uma das maiores pedras do monólito, e ali, pareciam protegidos dos raios tímidos de sol que tentavam atravessar as nuvens espessas.

— A propósito, eu sou Conor Rice — apresentou-se o homem que aparentava ter bem mais do que cinquenta anos e que usava um sobretudo escuro de gola alta e calça jeans.

— Prazer em conhecer — respondeu Beatriz um pouco sem graça, ainda segurando o rabo-de-cavalo ruivo da amiga. — Eu apertaria a sua mão, mas...

Ele fez um sinal de cabeça que compreendia a situação. Botou os braços para trás e deu as costas para as brasileiras. Pelos sons emitidos, a de cabelos vermelhos ainda tinha muita coisa para botar para fora.

Cerca de uma hora após a sua chegada a Londres, Beatriz e Fabiana foram conduzidas ao castelo onde Rice possuía residência fixa, e de onde protegia o raio etéreo de confluência conhecido como Portal do Infinito. Como Pietra Del Cuzco bem lhes havia ensinado, o Stonehenge era um entre nove outros pontos na Terra onde o véu místico se tornava mais tênue, permitindo que a realidade pudesse ser quebrada com maior facilidade. Cada um daqueles locais era conectado por artérias invisíveis, por meio das quais corria um forte campo de energia, que os estudiosos chamavam de Linhas Ley. Aqueles versados em magia podiam sentir essas linhas sem dificuldade e até se comunicavam por entre elas.

— Pietra me informou que, ao longo da sua jornada, vocês duas terão que passar por alguns dos nove pontos no globo ligados às Linhas Ley. O Stonehenge é apenas o primeiro deles — Rice apontava para um mapa-múndi encimando uma mesa de escritório larga cheirando a carvalho. Marcadas por pontos vermelhos, era possível ver também duas localizações na Bulgária, uma na Albânia, outra na Bósnia e Herzegovina e uma no Iêmen. Fabiana prestou bastante a atenção nas marcas do mapa e identificou outra na América do Sul, além da já conhecida Machu Picchu.

O trio estava no interior de uma das várias salas do castelo, no terceiro andar e, da janela aberta lateralmente, era possível enxergar boa parte do vale verdejante onde o Stonehenge estava fixado há muitas eras.

— Assim que eu recebi a mensagem de nossa amiga em comum, eu visitei pessoalmente a Biblioteca Britânica e pude fazer pesquisas extensas a respeito do dito Tomo de Enoque. Conversei com diversos professores de Oxford e Westminster nas últimas semanas. Mesmo entre antropólogos e arqueólogos renomados, essas supostas escrituras enoquianas são um completo mistério.

querendo dizer que nunca existiu um tomo escrito por Enoque? — indagou Fabiana, um pouco impaciente devido ao ar extremamente frio de Londres, e ainda levemente nauseada.

— Não exatamente — respondeu o homem em seu sotaque britânico. — A pista concedida a mim por Pietra antes de vocês chegarem aqui dizia que "sob o manto da névoa londrina, entre as sombras de pedras antigas, o Tomo viu o crescimento de um império", mas não há como saber em que período histórico isso ocorreu, ou se realmente aconteceu como foi descrito. O fato de ninguém na Biblioteca Britânica saber a seu respeito não indica propriamente que o tomo é um mito [1].

Rosa e Dália: O Despertar das BruxasOnde histórias criam vida. Descubra agora