BEATRIZ ENCONTROU A AMIGA a observar a cidade do alto do décimo oitavo andar da sacada do hotel e emparelhou com ela tão logo se debruçou no parapeito metálico. Dali, os carros pareciam miniaturas andando por um circuito interminável de brinquedo, enquanto as pessoas mal passavam de pequenas formigas enchendo as calçadas e se acotovelando por elas.
As duas estavam num dos bairros mais movimentados do centro de São Paulo, mas tudo ali parecia minúsculo agora comparado à grandiosidade dos eventos a que tinham feito parte nos últimos meses. O mundo real se assemelhava a uma sombra pálida daquilo que realmente importava para elas na atualidade.
— Como foi a visita ao seu pai no presídio?
Fabiana desviou o olhar. Se distraiu com um helicóptero que passeava acima dos prédios seguindo em direção oeste, mas respondeu, depois de um tempo:
— Não quero falar sobre isso agora.
Esperou mais alguns instantes e, então, indagou à outra:
— E a visita aos seus pais? Como foi?
Beatriz abaixou os olhos e entrelaçou levemente os dedos das mãos, demonstrando desconforto.
— Mamãe nos convidou para a ceia de Natal desse ano. Disse que está morrendo de saudades de você e que mal pode esperar para reunir a família toda novamente.
— Até o seu pai?
Beatriz revirou os olhos.
— É melhor não tocarmos nesse assunto agora.
Em tantos anos de relacionamento, as duas amigas conseguiam se comunicar apenas com gestos e, às vezes, até o silêncio entre elas dizia mais do que muitas palavras. Ambas ainda tinham algumas feridas abertas para deixarem cicatrizar e uma acabou respeitando o espaço da outra para que aquilo acontecesse.
— Assim que saí do centro de detenção, eu fui até o cemitério — a voz de Fabiana deu uma leve embargada. Beatriz sabia o quanto a morte da mãe desestabilizava a amiga desde sempre, por isso, a deixou desabafar. — Desde que a gente se mudou para Santos que eu não visitava o túmulo de mamãe. Eu levei as camélias que ela adorava. Fiquei um tempo lá batendo um papo com ela. Contando um pouco das loucuras em que nós duas estivemos metidas nas últimas semanas.
Um sorriso se forçou no rosto sardento. Ambas ainda não haviam se recuperado totalmente dos traumas emocionais desencadeados pelo confronto místico com Iolanda Columbus. Nem dos seus desdobramentos.
— A minha coxa ainda dói só de pensar em todo o perrengue que a gente sofreu naquele Entremundos! — Bia coçou de leve a perna esquerda. Embaixo da calça que usava, jazia oculta uma cicatriz comprida que a lembrava sempre de quão dura havia sido a sua luta contra a bruxa maligna mais poderosa do mundo.
— Eu sei que de onde ela está, a minha mãe já deve saber do que eu me tornei. Do que o sangue da nossa família me tornou... mesmo assim, eu contei as novidades a ela. — Sem grande esforço, a moça fechou o punho da mão saudável e fez emanar um brilho de cor roxa dele. Beatriz a encarou com expressão sisuda e a provocou:
— Exibida!
Fabiana devolveu o sorriso, tornando a sua expressão mais confiante.
— Eu estive pensando, Bia... — Beatriz estava atenta ao que ela dizia. — Será que a gente ainda vai conseguir fazer todas aquelas coisas de novo?
— Que coisas?
— Você sabe. Encantar lava. Criar gêiseres a partir do chão. Congelar moléculas de água com rajadas de vento... esse tipo de coisa!
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Rosa e Dália: O Despertar das Bruxas
خيال (فانتازيا)Fabiana Ferraz e Beatriz Diniz são amigas inseparáveis desde a infância. Motivadas pelo sonho de estudar Arqueologia e pelo desejo de se aventurar pelo mundo, elas embarcam em uma emocionante expedição universitária a Machu Picchu, no Peru. Lá, muni...