Prólogo

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BEATRIZ ESTAVA NOS BASTIDORES do auditório do colégio com a professora e as demais meninas aguardando que a chamassem até o palco. Nunca antes havia enfrentado um público como o que preenchia os assentos do local naquela tarde. Olhava curiosa por uma fresta na cortina grande e vermelha que separava a coxia da área externa, e podia ouvir o burburinho das pessoas impacientes a aguardarem o começo da peça de teatro.

Seus joelhos vibravam incontrolavelmente. Nem mesmo os segurando com as mãos diminutas conseguia fazer com que parassem de tremer. Sua boca estava seca. A fantasia de flor que vestia por sobre a roupa de balé a fazia suar. Era feita de tecido preenchido com espuma. Cobria-lhe tronco, membros e parte da cabeça, escondendo os seus cabelos negros. Deixava o rosto e as mãos de fora, evidenciando o seu nervosismo em forma de gotas a escorrerem das têmporas.

Tá calor, eu tô morrendo de medo de sair de trás dessas cortinas, mas eu tenho que ser forte, pensava a menina, focada em não decepcionar o pai que, como os pais de todas as outras crianças, aguardava na plateia do auditório. Sempre ocupado em seu trabalho e compenetrado em manter o sustento da família, ele nunca a havia visto encenar as peças do colégio. Beatriz sentia necessidade em mostrar a ele que, enfim, ela tinha algum talento. Que não era a completa inútil da qual ele a acusava de tempos em tempos.

Eu preciso mostrar ao papai. Preciso sim!

Diferente de Beatriz, uma menina ruivinha de longas madeixas onduladas se destacava entre as outras oito meninas ali reunidas, também esperando pelo começo da peça. Seu nome era Fabiana, a melhor amiga de Beatriz. Trajava uma fantasia trabalhada em vermelho e verde. Esbanjava confiança ao repassar cuidadosamente o seu texto com outra garotinha vestida de margarida, com a cabeça envolta em pétalas brancas. Uma beleza!

Como uma artista profissional, os movimentos da sardentinha fluíam com desenvoltura à medida que ela repetia as falas de uma das protagonistas da fábula escolhida para que encenasse. Sacudia os braços em um floreio delicado e curvava o tronco em reverência, dizendo de cor as frases que vinha ensaiando há bem mais de duas semanas.

— "Às vezes, aquilo que nos julgam um defeito é a nossa maior qualidade, amiga dália".

De longe, Beatriz observava a garotinha de olhos cor-esmeralda e sentia uma pontada de inveja por ela estar tão relaxada a tão poucos minutos do início da encenação. Os seus joelhos não paravam de tremer, e ela estava quase se agarrando à cortina de tanto nervosismo.

— Beatriz! Beatriz!

Chamou-lhe a atenção a professora.

— Já repassou o seu texto?

A menina voltou-se em direção à mulher. Se limitou a balançar a cabeça timidamente.

— A peça começa em cinco minutos. Devia estar ensaiando como a Fabiana. A dália é tão importante quanto a rosa na peça, menina!

A professora lhe sorriu como que tentando lhe passar confiança. Percebia que a sua melhor aluna estava tensa em ter que atuar diante de um público tão grande e procurou lhe dar algum conforto com seu incentivo.

Beatriz engoliu em seco, mas decidiu internalizar os seus medos. De nada adiantaria ficar nervosa agora. Ela havia estudado o texto e, embora temesse que o pudesse esquecer tão logo pisasse no palco, mentalizou que nada poderia estragar aquela apresentação. O seu pai tinha que se sentir orgulhoso dela. Tudo precisava dar certo.

Ele tem que ver que eu sou boa. Ele tem sim!

Quando a cortina subiu, Bia estava no centro do palco com os braços erguidos, fazendo uma pose lisonjeiramente esnobe. Ao seu redor, as outras oito meninas permaneciam perfiladas em suas fantasias estofadas. Cada uma representava um tipo de flor, porém, o foco do canhão de luz que vinha do alto do teatro era todo dela. Em alusão ao texto da fábula, todas as outras flores tinham que parecer comuns ante o brilho radiante que as pétalas amarelas e roxas da dália emanavam.

Em sua posição fixa, Bia correu os olhos pela plateia a fim de encontrar os pais sentados. Não os via em nenhuma parte. Uma música clássica agitada por flautas e outros instrumentos de sopro tocava nos alto-falantes do auditório. Era hora de encenar.

Será que o papai está me vendo? Será que ele está gostando da minha pose? Estou linda o suficiente...?

— Começa, Beatriz! O texto! Esqueceu o texto?

Era a voz da professora sussurrando na lateral do palco. A mulher apontava para uma folha de papel com o texto digitado de "A Rosa e a Dália", a fábula infantil em que se baseava a peça. Naquele momento, a menina sentiu um estalo em sua mente e, então, começou a atuar.

[A ROSA E A DÁLIA]

Num lindo jardim, onde as flores dançavam ao vento e sorriam para o sol, havia uma dália. Seu brilho dourado reluzia entre as outras flores, ofuscando a delicadeza da margarida, a leveza da hortênsia, a flexibilidade da acácia e a longevidade da orquídea.

Quando chegava a hora da colheita, todos preferiam a dália. As suas pétalas coloridas se destacavam, e o seu perfume suave era muito apreciado.

— Ah, como é maravilhoso ser admirada por todos no jardim! Sou realmente a flor mais deslumbrante que existe — dizia ela, orgulhosa.

No jardim das flores, apenas a rosa, com a sua beleza fascinante, disputava o reinado da dália. Embora tivesse espinhos e poucos ousassem tocá-la, ela era igualmente pleiteada, causando surpresa nas amigas frágeis do campo. Precisava ser podada, cuidada. Era mais exigente. Mas nunca deixava de ser admirada.

Então, um dia, uma tempestade caiu sobre o jardim. O vento forte soprava de lá pra cá. De cá pra lá. Zunindo sem parar. Sem aplacar. Sem desacelerar. Uma confusão! As flores assustadas, se curvavam ante a sua fúria. O lírio mal conseguia se manter em pé. O cravo se apoiava no gerânio. E a acácia estava em frangalhos.

— Minhas folhas! Minhas lindas folhas! — lamentava a orquídea a se despedaçar.

— Vou me dobrar inteira! Ai, de mim! — berrava a acácia.

A orgulhosa dália também viu as suas pétalas começarem a se soltar. A sua beleza estava comprometida, e apenas o caule agora se destacava.

— O que está acontecendo? Eu não posso estar me despedaçando! — disse ela, perplexa.

Ao seu lado, na roseira frondosa, a rosa permanecia intacta. Ela não havia sofrido com a ventania e continuava linda e saudável. Os mesmos espinhos que a tornavam selvagem, lhe davam a força para resistir ao tempo ruim.

— Oh, querida dália! Você está bem? — indagou ela, com preocupação.

— Eu não sei, rosa — e a dália tremia dos pés à cabeça, enfraquecida. — Parece que não sou forte o suficiente para me proteger dessa tempestade.

Ao seu redor, todas as demais flores do jardim também pareciam abaladas, trôpegas. Em leve comparação, a dália percebeu que apenas a rosa nada havia sofrido.

— Como conseguiu se manter inteira depois de uma chuva tão intensa?

A rosa sorriu, indicando os seus espinhos.

— Às vezes, aquilo que nos julgam um defeito é a nossa maior qualidade, amiga dália.

— Não entendo — disse a dália, confusa.

— Muitos me consideram perigosa por conta dos meus espinhos, mas são eles que me tornam quem eu sou. Cada um de nós deve buscar amparo naquilo que nos faz fortes — respondeu a rosa, com sabedoria.

— Eu achava que a minha beleza radiante era o suficiente para me manter inteira, mas eu estava enganada! — choramingou a dália.

— Não se preocupe, minha amiga. Todos nós temos os nossos momentos de fraqueza. Mas é na forma como superamos esses momentos que vemos a nossa verdadeira força.

Todas as demais flores se aproximaram para ouvir melhor a rosa a discursar de peito estufado.

— É a nossa humildade em reconhecer as fraquezas que torna a todos nós únicos. Mas lembre-se: até mesmo após uma tempestade, você ainda tem motivos para voltar a brilhar. E está aí a sua principal qualidade, querida dália: a de voltar a se iluminar sempre e sempre, não importando as adversidades.

Num belo dia, a dália voltou a irradiar a sua formosura, e novamente se tornou a mais linda do jardim, como tinha que ser.

Assim, as flores do jardim aprenderam que a verdadeira beleza não estava apenas na aparência, mas também na força e na resistência diante das desventuras.

Rosa e Dália: O Despertar das BruxasOnde histórias criam vida. Descubra agora