As reviravoltas que o mundo dá

318 36 1
                                    

(Por Orm)

Ela segurou em meu pulso me impedindo de ir embora mais uma vez, a sua sinceridade em analisar o meu currículo me deixou triste, porém não quis exibir isso, desde que nós nos esbarramos ela tinha sido tão gentil comigo.

E sem saber quem eu era me levou para almoçar, o carro dela era luxuoso assim como as roupas que usava.

No início pensei que ela deveria ter um cargo muito bom naquela empresa. Ela também era tailandesa e isso possibilitou de eu praticar a minha língua materna.

Quando ela estendeu o seu cartão e eu o li, não soube como reagir, simplesmente passei duas horas daquele dia com a CEO da Bit Company, duas horas...

E apesar do luxo que esbanjava, ela parecia uma mulher simples, além de muito bonita, estar próxima dela me fez desejar coisas que poucas vezes senti por algumas pessoas, a vontade de conhecê-la e ficar presente:

- Esteja aqui amanhã às 07 horas em ponto, ok! – Ela disse e voltou para o trabalho me deixando novamente indecisa.

Observei-a se afastar com passos decididos em sua postura ereta, os cabelos negros e lisos cobrindo-lhe até a metade das costas, sua silhueta perfeita.

Ela tinha olhos meigos, castanhos escuros e uma boca bem desenhada, uma pinta na bochecha esquerda que lhe rendia ainda mais charme.

Estava sendo ridícula ao admirá-la tanto assim? Eu não era ninguém comparada àquela mulher, percebi quão tola eu estava sendo imaginando momentos que não eram reais. Ela tinha me dado o seu cartão e pedido para eu retornar no dia seguinte, mas com certeza ela me ofereceria um cargo menor do que eu esperava.

Guardei o cartão e fui para a estação pegar o metrô, rezando para não ter mais aborrecimentos ao chegar em casa.

...

- Mãe – Chamei-a assim que abri a porta, escutando o silêncio como resposta.

Na cozinha eu vi diversas garrafas vazias de bebidas jogadas na pia e no chão, aquilo me doeu, fui para o quarto dela e a encontrei dormindo pesadamente, enquanto ouvia as suas frases indecifráveis e o seu ronco e sentia o cheiro de álcool invadindo o ambiente, eu chorei.

Entre as lágrimas que caíam sobre o meu rosto comecei a limpar a sujeira que ela havia deixado.

Nem sempre a minha mãe foi daquela forma, antes do meu pai falecer ela era uma mulher muito boa, quando nós viemos para a Inglaterra devido a uma excelente oferta de trabalho do meu pai, ela fazia de tudo pra manter a nossa casa impecável.

Até os meus dezesseis anos ela cuidou de mim com muito amor, então veio o acidente de carro que levou a vida do meu pai embora e ela não suportou a perda e se afogou na bebida.

Meu pai garantiu os meus estudos, mesmo depois de morto, pois ele tinha feito um seguro na empresa, o que ajudou também na nossa sobrevivência.

Ela tentou trabalhar e nos diversos empregos que conseguiu sempre era demitida pela mesma razão, o seu alcoolismo.

Eu me tornei a mãe após tudo aquilo, administrando a casa e os nossos recursos, tentando fazê-la enxergar que era necessário um tratamento, mas ela não queria me escutar.

No último ano da faculdade eu conheci um rapaz, Teodore, namoramos por alguns meses até ele me pedir em casamento e eu aceitar. Acreditei que o amava e que talvez saindo de casa ela reagiria e tentaria se livrar desta doença.

Teodore era possessivo e com o tempo fui percebendo o erro que quase cometi, faltando apenas uma semana para trocarmos os nossos votos e as alianças, ele ficou alterado por que me viu brincando com um colega da faculdade, logo partindo pra cima do rapaz.

A confusão aumentou ainda mais quando o namorado deste meu amigo veio em sua defesa e acabamos todos em uma delegacia.

As crises de ciúmes dele e a doença de minha mãe quase me levaram a loucura, contudo não poderia cortar ela da minha vida, então dei um basta neste relacionamento tóxico.

Ele me ameaçou nas semanas seguintes ao rompimento e ficou me seguindo para tudo quanto lugar que eu fosse, as minhas amigas tinham medo dele e me pediram para dar queixa na polícia.

Mas por fim, ele sumiu.

...

- Orm – Minha mãe gritou do quarto – Você está aí?

- Na cozinha mãe – Informei enquanto terminava o jantar.

- Como foi a entrevista? Você conseguiu o emprego? – Ela perguntou enquanto se arrastava até mim, cambaleante.

- Não, cheguei atrasada e perdi a entrevista.

- Chegou atrasada de novo? – Ela criticou.

- A senhora lembra o que aconteceu hoje mais cedo? – Questionei-a.

- Não, infelizmente a minha cabeça não tem funcionado direito Orm – Ela disse com o olhar perdido.

- A senhora não lembra que bebeu todas ontem a noite e continuou bebendo até chegar em casa? – Eu sabia que ela não teria essas recordações, mas precisava falar – Não lembra que passou mal de manhã? Que eu precisei ficar em casa e te ajudar a tomar banho e se vestir?

- Orm – Ela abaixou a cabeça envergonhada – Me desculpa, eu não me lembro.

- Ao menos você se recorda de como conseguiu isso daí – Apontei para um curativo em seu braço – Sabe como se machucou?

- Eu... – Ela ficou analisando o local e voltou a baixar a cabeça – Me desculpa, mas eu não sei.

Suspirei pesadamente tentando controlar a minha raiva, era óbvio que ela não lembraria de nada, a minha mãe chegou tão louca em casa naquela manhã que mesmo se quisesse não conseguiria guardar na memória as coisas.

Peguei um prato e a servi, quando ela pegou na colher as suas mãos tremeram, fingi não ver aquilo para não deixá-la ainda mais desconfortável.

Quando terminamos de jantar a minha mãe voltou para o seu quarto e foi tomar um banho e eu fui lavar a louça. Meia hora se passou até ela abrir a porta toda arrumada:

- Vou sair – Ela disse – Não precisa me esperar.

- Onde a senhora vai? – Olhei de soslaio.

- Encontrar alguns amigos – Ela respondeu e partiu.

A minha vida era para ter sido bem diferente, se o meu pai não tivesse morrido com certeza tudo seria de outra maneira, eu teria uma mãe e um pai, era ruim a sensação de ter ficado órfã.

Fui para o meu quarto e arrumei as minhas coisas para o próximo dia, ajustei o alarme do meu celular para acordar cedo, não que eu precisasse daquilo, porém o fiz por garantia.

“-Esteja aqui amanhã às 07 horas em ponto, ok!”, a voz de Lingling ressurgiu em minha cabeça firme e forte, eu sabia que teria que aceitar qualquer serviço que ela fosse me oferecer, o dinheiro da casa estava acabando e já não havia reservas.

E a noite passou sem eu perceber...

ME ESPERA...Onde histórias criam vida. Descubra agora