Lembranças que não se cicatrizam num quarto escuro

282 32 10
                                    

(Por Lingling)

Como eu odiei ser um Kwong, os meus pais prejudicaram tantas pessoas só para manter o poder, somente para se sobressaírem aos demais... E eu os odiava também por isso.

Ouvir a senhora Koy falando da morte de seu pai me reavivou certas memórias de quando tinha quase seis anos, eu nem recordava mais do antigo motorista da minha mãe, mas depois de ouvi-la contar o que aconteceu naquele dia aos poucos fui tudo veio.

O homem era um senhor de cinquenta anos, talvez mais e era muito gentil comigo, quando eu entrava no carro ele me oferecia um doce e bagunçava os meus cabelos enquanto mamãe sorria em agradecimento.

Lembrei que ele vivia ou no volante ou no celular falando com o meu pai, informando onde estávamos ou onde fomos, o aparelho era um tijolo enorme e pesado, ao contrário do que temos hoje em dia.

E por alguma razão também me lembrei de uma jovem com um bebê no colo que um dia foi bater na mansão dos meus pais, então a jovem deveria ser a senhora Koy e a pequena era... Orm!

Meu Deus...

Levantei-me da mesa e aos tropeços fui ao toalete, precisava sair dali e respirar, jogar uma água fria no rosto e pensar no que eu poderia fazer, desde o começo a minha vida estava entrelaçada com a de Orm, mas quis o destino que fosse de uma forma trágica.

Vocês poderiam me dar um conselho? Eu deveria revelar quem eu sou?

Não, tive que me segurar para não expor totalmente a minha identidade, fazer isso as colocaria em risco. Se com um homem como o nosso motorista o meu pai foi negligente e o abandonou, um homem que foi fiel a minha família, imagina o que ele faria com os seus descentes?

Acabei vomitando todo o jantar e precisei juntar coragem para voltar a mesa e levá-las pra casa, Orm tentou se aproximar de mim, mas rejeitei... Eu me sentia suja e indigna dela.

Voltei para a minha casa e após me ver, Eclair me deu espaço, corri para o escritório e peguei a minha chave do quarto e a minha Glock 9mm, fui direto para o outro quarto onde me tranquei por dentro.

Eu sabia que a Eclair viria o cofre aberto... Eu sabia que ela notaria a ausência daquele objeto que eu carregara comigo... E certamente surtaria.

A madrugada chegou, depois o dia, depois a tarde...

Ligações da empresa, da Orm, de alguns fornecedores e clientes...

Eu precisei desaparecer por mais de 24 horas, consumida pela dor de cada lembrança e da culpa, eu não era o meu pai, não tinha a frieza daquele homem que me gerou... Eu não era a minha mãe, não conseguia ser compassiva com tamanha maldade.

Lacuna me ligou, mas ignorei e continuei em estado de choque.

Jaja, uma pessoa que entrou na minha vida novamente e que se tornara presente desde o dia em que fui a sua boate também tentou falar comigo, mas eu ignorei a todos.

E quando uma nova noite surgiu, eu adormeci.

- Senhora, por favor se abaixe – O motorista falou enquanto manobrava o carro tentando fugir de outros que nos cercava.

- Mas o que vai acontecer? – Mamãe perguntou desesperada.

- Senhora, se abaixe e coloque a pequena em baixo do banco – Ele gritou e minha mãe finalmente obedeceu.

O motorista girou o volante para um lado, depois para o outro aumentando a velocidade, mas não conseguiu se desviar, um carro bateu na lateral do nosso e ouvi tiros, olhei para o nosso motorista e vi que a sua roupa estava manchada pela minha cor favorita.

ME ESPERA...Onde histórias criam vida. Descubra agora