Capítulo 10

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Demorou alguns bons minutos para que Andrea e Miranda se sentissem minimamente confortáveis na presença uma da outra. A única dinâmica que conheciam era a que limitava o relacionamento entre chefe e funcionária; por isso, quando a jornalista convidou Miranda para jantar, não fazia ideia de como a interação entre as duas se desenrolaria.

Uma parte de Miranda queria recusar o convite, enquanto outra, a qual ela acabou ouvindo, pedia desesperadamente para permanecer na presença de Andrea. Quando percebeu, já estava sendo guiada até a cozinha da sua ex-assistente e se sentando à mesa de jantar.

Três anos foram suficientes para que Miranda se esquecesse da personalidade leve e radiante de Andrea. Embora o sorriso de Andrea ainda estivesse presente em sua memória, os gestos mais sutis, como a maneira saltitante de andar, as mãos que frequentemente mexiam na franja e o nervosismo aparente por estar na presença de Miranda, eram características que a editora havia deixado adormecidas em sua mente. Por isso, Miranda se viu particularmente encantada ao observar a jornalista andando de um lado para o outro em sua cozinha. Os movimentos rápidos, suficientes para serem descritos como desastrados, eram igualmente fascinantes.

Andrea mantinha sua jovialidade nos pequenos gestos, o que era de se esperar, claro, afinal, ela ainda era muito jovem, apenas 26 anos. Apesar disso, algo havia mudado; seu corpo mostrava que agora ela tinha mais autonomia, ocupava mais espaço e não tinha tanto medo de se movimentar, como ocorria na época em que ainda era assistente da editora-chefe. Apesar da apreensão evidente por ter Miranda Priestly sentada em sua mesa de jantar, Andrea estava confiante e segura de si. Miranda já havia notado a mudança na confiança de Andrea no último encontro que tiveram, mas, surpresa com a visita da jovem após três anos e abalada pela descoberta das cartas, não pôde dar a devida atenção à mulher que estava à sua frente como fazia agora.

Concentrada em não queimar um simples macarrão, Andrea tentava ignorar os batimentos cardíacos acelerados no peito, mas era difícil quando podia sentir o olhar de Miranda sobre ela, mesmo a passos de distância. Já haviam se passado alguns minutos desde que a editora se sentou à mesa, e ambas permaneceram em silêncio, sem saber qual conversa teriam. Era uma situação estranha e desconfortável, mas nenhuma das duas estava disposta a abrir mão da presença da outra.

Finalmente, o jantar estava pronto e Andrea preparou a mesa. Serviu o prato de Miranda e o colocou à frente da editora. Perguntou se ela aceitava vinho e recebeu um aceno afirmativo da mulher mais velha. Quando finalmente estavam ambas sentadas e devidamente servidas, a jornalista quebrou o silêncio:

"Bom apetite."

Miranda encarava Andrea sem pudor algum; seus olhos, além de carregarem curiosidade, pareciam buscar algo que a jornalista não conseguia identificar. Mais tarde, Andrea perceberia que Miranda estava apenas se certificando de que não sairia correndo, a deixando para trás novamente. Miranda a observava com um olhar desafiador, esperando que Andrea caísse em algum tipo de armadilha. De fato, Miranda não confiava na jornalista.

Lentamente, com desconfiança, Miranda levou a primeira garfada de macarrão à boca. Andrea teve vontade de dizer "não está envenenado, por Deus, confie em mim!" mas escolheu permanecer em silêncio, devolvendo o olhar profundo para Miranda. Havia algo em observar a editora-chefe comendo que deixava a jovem estranhamente fora dos trilhos. Ela já conhecia esse sentimento, que frequentemente surgia na época em que era assistente. Sempre que Miranda agia como um ser humano comum, como quando comia, demonstrava cansaço ao bocejar, ou, como em Paris, chorava ao ser deixada pelo marido que pediu o divórcio por fax.

"Não sabia que você era capaz de cozinhar," comentou Miranda, falando pela primeira vez desde que entrou na cozinha. Andrea achou a escolha de palavras curiosa. "Capaz de cozinhar" parecia sugerir que o ato em si fosse algo fora do comum para alguém como ela, quando, na verdade, era uma atividade ridiculamente comum. - "Nate quem a ensinou?"

Cartas de MirandaOnde histórias criam vida. Descubra agora