Capítulo 38 - Cecília

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Bernardo me enviou mensagens desconexas. Demorei para entender que ele estava usando trechos do meu livro que havia ficado com ele quando nos conhecemos.
No começo, achando que era uma brincadeira, fiz o mesmo.
Procurando respostas com trechos do mesmo livro.
Mas havia algo errado.
Foi então que perguntei se ele estava bem e ele me respondeu dizendo que estava bêbado e sozinho.
Fiquei preocupada, pensando que talvez ele pudesse cair alí sozinho, sem ter alguém que o socorrense.
Eu e essa minha mania de me preocupar excessivamente com as pessoas.
Nunca deixo de ser assim.
Então achei melhor ir até lá e o ajudar. Mesmo ainda estando chateada e confusa.
Pedi que ele mandasse a localização, mas se não mandasse estava disposta a procurar seu endereço, encontraria de qualquer forma.
Mas ele enviou e fui.

Quando cheguei fiquei assustada com o tamanho da casa. Meu apartamento cabia em sua sala. Mas a aparência de Bernardo me causou um susto ainda maior.
Estava desgrenhado e nitidamente bêbado.
O ajudei a tomar banho, e vendo o quanto ele se sentia desconfortável por estar daquela forma e por eu vê-lo tão bêbado e vulnerável, achei melhor descontrair para que ele relaxasse então me lembrei da música que Clara e eu cantávamos quando criança enquanto tomávamos banho, uma do castelo Rá- tim- bum.
No começo ele ficou bravo, mas a braveza deu lugar a inocência de sentir que não há problema em ser vulnerável as vezes, que já fomos assim um dia, quando crianças.
Então ele relaxou e começou a cantar também, pegou a ducha do chuveiro e apontou para mim, me molhando toda.
Embora eu estive com a roupa toda molhada e não tivesse outra, não me importei, o importante é que ele estava se sentindo melhor e mais confortável.
Saímos do banho, o ajudei a se enxugar e colocar a roupa, me enxuguei e ele me emprestou uma de suas camisetas.
Ela cheirava à Bernardo, um cheirinho que me trazia estranhamente a sensação de lar e conforto. Era como se os braços dele estivem me abraçando o tempo todo.
Desejei ter aquela camiseta comigo para sempre para poder usa-la sempre que sentisse saudade.

Brincamos sobre eu ter falado de uma possível queda dele e bater com a cabeça.
Ele disse que se batesse a cabeça e perdesse a memória, ainda sim, de alguma forma sentiria minha falta.
Me lembrei de um filme que vi muitas vezes, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças.
Um casal que pela dor do fim resolve apagar as memórias que tinham juntos, esquecendo completamente um do outro, e que mesmo assim, mesmo desmemoriados, ainda se recordavam um do outro.

Assistimos juntos no sofá da sala, comemos pipoca e conversamos.
Conversamos sobre o filme e também sobre nós. Fomos sinceros sobre nossos sentimentos e principalmente, sobre nossos medos com relação um ao outro.
Acho que Bernardo me vê como alguém melhor do que sou.
Ele diz que pareço um anjo. Mas acho que anjos não são tão tolos. Eu sou!
E mesmo sabendo que sou tola, e que tudo o que ele me diz pode ser mentira, eu acredito nele. Acho que isso me distância dos anjos, com certeza são mais inteligentes que eu.
Quanto a bondade que ele diz que tenho. Acho que posso dizer que sou mesmo uma pessoa boa, mas é estranho referir a mim mesma tal adjetivo.
Talvez eu seja, pois escuto pessoas me dizerem isso.
Essa é quem sou. Não é como se eu amanhecesse num dia e dissesse "quero ser boa", eu nunca disse isso.
Mas me lembro de me levantar algumas vezes e dizer " não quero ser mais tão boazinha" e tentar ser diferente.
Foi desastroso.
Tive que me esforçar demais, não reagindo às coisas como naturalmente reagia, tentando ajudar as pessoas sempre que tinha oportunidade, sempre sorrindo, sempre me preocupando, esse é o meu natural, minha essência.
Então, na única vez que tentei, disse coisas a alguém que magoaram e por fim me magoaram ainda mais por as dizer, não consegui dormir, nem comer enquanto não pedi desculpas.
Acho que consigo suportar melhor quando alguém me mágoa, do que quando eu magôo alguém.
Foi então que eu desisti de lutar contra a minha essência.
Já não me importo mais em como as pessoas são comigo, elas tem o direito de ser como são, e eu tenho o dever de ser como sou e agir como acredito que seja certo.
Cada um dá exatamente o que tem dentro de si, e se o que eu tenho é bondade, então, que seja, ainda que usem isso contra mim.
Quando aceitei isso ficou mais fácil, ficou mais fácil perdoar quem me ofendia, quem me machucava, quem me enganava. Não era meu isso, era daquelas pessoas.
E sempre que acontece de me magoarem, me lembro, " Cada um dá o que tem" e sigo em paz!
Bernardo acha que precisa ser como eu, o que me parece uma competição ridícula, eu jamais pedi que ele fosse, embora a maldade das pessoas seja algo que me incomode e que prefiro ficar longe. Tento manter por perto pessoas que tenham um coração parecido com o meu, acho que também é uma forma de me proteger, já que sou tola.
Acho que é a única forma de me proteger.
Mas sei que vez ou outra a gente se engana com as pessoas que escolhe ter na vida. E sei que estou assumindo esse risco com Bernardo. Mas de alguma forma, vejo bondade nos olhos dele. Sinto que o coração dele é semelhante ao meu. Gosto de como me sinto quando estou ao lado dele.
Seria uma pessoa má capaz de me fazer tão bem?
Prefiro acreditar que não.

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