Capítulo 71 - Bernardo

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- E aí, Bernardo, tudo beleza?
O que tá fazendo?

- Tô em casa, Bruno. Repassando uns projetos.

- Tô precisando levar um papo contigo. Fiquei esperando que vc aparecesse. Mas o pai me disse que vc não viria para a oficina hoje.

"Oficina", continuamos chamado assim por força do hábito, mesmo que agora a pequena oficina tenha se tornado uma empresa. Acho que sempre a chamaremos assim, mesmo se um dia ela se tornar ainda maior.
Sorrio ao pensar nisso.

-Marcela não está se sentindo muito bem hoje. Achei melhor trabalhar em casa. Ela está no sétimo mês e requer mais cuidados.

- Uhn. Entendo. Melhor deixar pra lá então.

- Não, não. Dou um pulinho aí rapidinho, a gente conversa, aproveito para pegar uns documentos que preciso e volto.

- Tem certeza?

- Tenho sim.
Tô indo.

Ao chegar na casa de meus pais, Bruno me recebe mas me leva direto para a edícula.

- Bê! Preciso te contar uma coisa que tô desde ontem pensado se te falo ou não.
Mas não queria tomar essa decisão sozinho. Achei melhor contar para vc e vc decidir o que fazer com a informação.

- Cara, vc tá me assustando. O que houve?

- Esbarrei com a Clara ontem, no shopping.
Ela disse que estava com Cecília.

-Vc viu Cecília? Falou com ela?

- Não, eu não a vi.
Acho que estava dentro de alguma loja.
Mas o mais importante não é isso.
Clara me disse que Cecília vai embora hoje.

- Ela já vai voltar para o sítio?

- Não cara. Ela vai embora do país.
Ela se inscreveu no Médicos Sem Fronteiras e tá indo para Rio hoje, e de lá vai para o Iêmen.

- Não. Não estamos falando da mesma pessoa! Seria impossível!
Cecília jamais deixaria Clara e o pai para ir para o outro lado do mundo.
Ela é muito apegada à eles.
Ainda mais para um lugar tão perigoso.

- Acredite ou não. Ela vai!
Clara me disse que ela embarca hoje às 11 horas para o Rio.
Desde a hora que ela me disse isso eu não parei de pensar se te contava ou não.
Aí falei com o pai e ele me disse que eu deveria contar e deixar vc decidir o que fazer com a informação.

- Já está quase na hora do embarque. Eu quero vê-la, quero falar com ela.

- E vai dizer o quê?

- Eu não sei. Mas eu preciso e talvez essa seja minha última chance.

- Então acho melhor correr.

- Obrigada, irmão.

Dirijo o mais depressa que consigo. O trânsito nesse horário é horrível e não me ajuda.
Estou sorrindo, aquele velho sorriso bobo de quando estava com Cecília e, de quando chegava uma mensagem dela.
E aquele sentimento de felicidade que eu só tinha quando estava com ela.
Meu coração está tão acelerado que parece uma bateria de escola de samba.
O que eu vou dizer?
Eu não faço idéia. Mas primeiro eu preciso chegar lá. Preciso focar em chegar.

Meu telefone toca, é Otávio.
Atendo.

- Bernardo, onde vc está?

- Tive que resolver umas coisas na empresa, mas logo estarei em casa.
Aconteceu alguma coisa?

- Sim, venha para o hospital. Marcela se sentiu mal, e a trouxemos.
Seu filho está nascendo.
Venha logo.

Ele desliga e eu fico alí, parado no trânsito. Sem saber o que fazer.
Meu filho está nascendo e meu amor indo embora para outro país.
O que faço agora?
Por que tudo tem que ser assim?
Eu sempre tenho que fazer escolhas entre o que preciso fazer e o que quero fazer e nunca posso escolher pelo que quero.
Soco o volante do carro.
Meu Deus, o que faço?
Nesse mesmo instante, o sinal abre e o caminho fica livre para o aeroporto. Mas segue congestionado para o lado que vai para o hospital.
Vejo como um sinal e dessa vez escolho pelo que quero.
Partos são demorados, eu poderia estar com meu filho logo. Mas não terei a mesma chance de ver Cecília.

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