Capítulo 75 - Cecília

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Ainda me lembro do dia em que vi Bernardo naquela cafeteria, do nosso primeiro encontro.
Do esbarrão que o dei derramando café sobre ele.
Eu não imaginava quanta coisa viria depois daquele encontro.
Estranho como um simples esbarrão em um desconhecido em uma cafeteria pode mudar toda a nossa vida.
Porque foi o que aconteceu. Quando acordei na manhã daquele dia eu não imaginava que conheceria o amor da minha vida, não imaginava que aquele dia ficaria marcado para sempre na minha história e nem que aquele homem se tornaria a melhor coisa que me aconteceu e a pior coisa que me aconteceu.
É, porque é assim que me refiro agora à Bernardo, como a melhor e a pior coisa que já me aconteceu.
Triste pensar assim, mas é a verdade e a verdade nem sempre é feliz.
Se eu pudesse voltar no tempo eu não teria ido à cafeteria naquele dia. Eu teria terminado minha corrida e voltado direto para casa. Assim o esbarrão não aconteceria e Bernardo nunca existiria na minha vida.
Acho que todos nós já nos imaginamos voltando no tempo, como quem rebobina uma fita de filmes antigos e volta ao momento exato onde tudo pode mudar apartir dalí e nos poupar de grandes sofrimentos.
Se eu pudesse voltaria até aquela manhã e apagaria a existência de Bernardo na minha história.
Eu sei que vivi os momentos mais lindos da minha vida até aqui ao lado dele e senti coisas que sei que só voltaria à sentir se fosse com ele, sei que nunca mais os voltarei a sentir, mas embora tudo isso tenha sido vivido com ele, foi também com ele que vivi minhas piores dores, foi por causa dele que tudo que eu era antes dele não existe mais.
E o que eu daria para voltar a ser quem eu era!
Eu faria qualquer coisa para ter de volta a parte de mim mesma que perdi por causa da dor que Bernardo me causou.
Eu pagaria o preço de voltar no tempo e apagar até mesmo os bons momentos que vivi com ele, só para ter de volta as partes perdidas de mim.
Eu mudei tanto que quando me olho no espelho vejo alguém que não sei mais quem é, quando vejo as fotos de antes daquele trágico fim, não me reconheço nelas.
Eu sei que sou eu naquelas fotos. Eu me lembro de sorrir daquela forma, eu me lembro de ter olhos brilhantes, ingênuos e bondosos. Eu me lembro de acreditar que o amor era capaz de tudo, de vencer tudo, de ser a força mais poderosa do mundo.
Eu me lembro de ter esperança.
Mas eu apenas me lembro de que fui assim.
Já não sou mais.
Bernardo saiu de mim levando minha melhor parte e deixando comigo o pior dele.
Hoje sinto que me pareço mais com quem ele era e menos com quem eu era.
Como se tivéssemos feito uma troca, que em todos os sentidos eu saí perdendo, tudo que ficou em mim e para mim foi o pior dele e do que ele tinha para me dar e deixar.
E ele levou tudo o que eu tinha de melhor, para dar e deixar.
Fiquei com o resto de mim mesma e com o pior dele, e com meus restos fui fazendo um filtro, tentando filtrar a parte ruim deixada por ele. Que embora tenha me esforçado durante todos esses anos, não tenha sido capaz de filtrar toda a parte ruim deixada.
Eu saí em missão humanitária porque acreditava que se eu lutasse para que minha parte boa prevalecesse, se eu desse mais de mim por amor àqueles que sofrem, eu limparia toda dor, toda a mágoa deixada por Bernardo. Acreditava em meu sonho com Sofia, de que se eu mudasse em mim aquilo que precisava ser mudado nele, ele se tornaria alguém melhor e eu também encontraria o meu destino, ainda que parecesse que ao fazer isso eu estava caminhando cada vez pra mais longe de Bernardo.
Eu não sei se ela estava certa, não sei se Bernardo se tornou uma pessoa melhor.
São quatro anos desde que nos vimos pela última vez e eu nunca mais soube nada dele.
Confesso que busquei por ele algumas vezes em redes sociais. Sempre encontrando sobre sua empresa, algumas fotos de família. Agora ele tem uma linda garotinha que se parece muito com ele.
Eu me senti feliz por ele.
Talvez seja essa minha maior prova de amor para ele, ficar longe, e à distância ver o quanto ele é feliz e me sentir feliz por isso.
Mas embora eu tenha esse sentimento de felicidade por ele estar feliz, a dor está aqui, ainda presente, ainda me lembrando do mal que ele me causou.
Eu rezo todos os dias, pedindo à Deus que me ajude à perdoar. Todos esses anos pedindo que eu consiga perdoar, que eu seja capaz de esquecer.
E mesmo implorando à Deus todas as noites para o perdoar, eu não consegui.
Talvez se eu o perdoasse eu o esqueceria. Eu quero muito perdoar, porque quero ainda mais o esquecer.
Mas acho que não o perdoo não pelo que ele me fez, pela dor que me causou, mas pelo que ele tirou de mim e que não consigo ter de volta, não importa o que eu faça. Eu quero ter de volta aquela minha parte feliz, inocente, que brilhava, que amava sem ressalvas, sem medidas, sem regras, a parte que confiava, que acreditava. Eu queria ter de volta aquela parte bonita que eu tinha que ele conheceu, que ele disse amar, mas que ele queria apenas destruir ou roubar de mim.
Espero que ele tenha feito bom uso do que me roubou, porque eu ainda sinto falta dela. Eu sinto falta dela todos os dias e acho que por isso não consigo o perdoar.
Talvez se eu pudesse tê-la de volta, se fosse possível que me devolvesse eu o perdoaria no mesmo instante.
Mas isso é impossível e talvez meu perdão também seja algo impossível por esse mesmo motivo.
Eu sempre sentirei raiva dele por ter me roubado o que eu tinha de mais valioso e que dinheiro nenhum do mundo poderia comprar, que ninguém pode me dar.
As vezes acho que me tornei mais amarga, mais fria, mais racional, como ele era.
Quem sabe ele tenha se tornado alguém como eu era, eu torço para que sim, pelo menos algo de bom teria saído disso.
Rafael tem sido um bom parceiro.
Naquele ano em que nos conhecemos, nos tornamos amigos, depois nos envolvemos e com algum custo, aceitei o namoro.
Foi difícil, ainda é. Eu tinha feridas demais, coisas que não conseguia dividir com ele.
Eu apenas contei que namorei alguém de nome Bernardo, que me feriu demais. Que o amei muito, como nunca tinha amado antes, mas que era uma mentira. Que eu tinha amado uma mentira.
Ele tentava fazer com que eu desabafasse quando me sentia e triste, e ficava silenciosa, ele percebia que eu tinha alguns gatilhos e eram dias difíceis quando isso acontecia, mas eu não conseguia me abrir.
Eu me sentia idiota por ter sido tão burra e não queria que ele me visse da mesma forma que eu me via.
Eu não era tão incrível como ele imaginava.
Afinal, Bernardo mesmo havia me dito isso, e se eu não era tão incrível sendo quem eu era, imagina agora sendo como sou.
Eu não queria dizer à ele sobre como eu amei tanto alguém que fiquei cega, não via quem ele era, eu apenas ouvia o que ele dizia e acreditava no que ouvia, mas não via, não via nada do que existia por trás daquelas palavras mentirosas.
Como Rafael poderia amar alguém tão burra? Eu não queria que ele soubesse que a mulher que ele julga tão inteligente, tão madura e coerente, foi tão idiota por amor.
O amor não me curou, o amor me feriu. Curada eu estava antes do amor, eu fiquei foi doente por amor.
O amor não me deixou mais feliz, feliz eu estava antes dele, o amor me tornou triste.
O amor não me tornou mais doce, isso eu já era antes, o amor me tornou amarga.
O amor não coloriu a minha vida, eu já era colorida antes dele, o amor veio e pintou todas as minhas cores de cinza.
O amor não me tornou inteira, inteira eu já era antes, o amor que quebrou, me fragmentou.
O amor não tornou o meu mundo melhor, meu mundo era lindo antes dele, na verdade o amor veio e me mostrou todas as coisas feias que antes eu não via.

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