"Amar é como uma droga.
No começo vem a sensação de euforia, de total entrega. Depois, no dia seguinte você quer mais. Ainda não se viciou, mas gostou da sensação e acha que pode mantê-la sob controle. Pensa na pessoa amada por dois minutos e esquece por três horas.
Mas aos poucos, você se acostuma com aquela pessoa, e passa a depender completamente dela.
Então pensa por três horas e esquece por dois minutos. Se ela não está por perto, você experimenta as mesmas sensações que os viciados roubam e se humilham para conseguir o que precisam, você está disposto a fazer qualquer coisa pelo amor."
Na Margem Do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei - Paulo CoelhoEstou em um daqueles eventos sociais da empresa, daqueles com fotógrafos, jornalistas, e todas as pessoas mais poderosas do meio empresarial.
Em seus ternos e vestidos de grife, suas poses de pessoas intocáveis e perfeitas.
Meu corpo está presente, mas minha cabeça não. Marcela conversa sobre assuntos que não me interessam e eu apenas observo o mover de seus lábios falando, o que eles dizem não me interessam, nada do que dizem aqui me interessa.
Tenho me sentido assim constantemente, desde que voltei para minha antiga vida.
Faz vinte dias e três dias que não vejo Cecília, vinte e três dias, desde que a vi levantar e ir embora daquele restaurante e da minha vida.
Faz vinte e três dias, que minha alma deixou de habitar esse corpo, tornou me casca oca outra vez, saiu-me o brilho que ela havia depositado alí, dando vida ao que estava morto em mim. Estou morto de novo, é assim que me sinto.
Sou um fantasma de mim mesmo, estou olhando do lado de fora o homem que fui e abandonei, depois voltei a ser porque fui covarde demais para descobrir o que eu poderia ser sem todas essas coisas que agora me entendiam muito mais do que "A Voz do Brasil" passando no rádio quando era criança.
Uma hora interminável de A Hora do Brasil, uma hora que parecia uma vida.
Faz quantas horas que estou aqui?
Uma hora de "A Voz do Brasil"?
Uma vida?
É, me parece ser. Se minha vida toda for assim, seria uma tortura escutar toda ela "A Voz do Brasil".
Queria mesmo estar com Cecília, por dez minutos na estrada com o som do carro ligado, observando o vento no cabelo dela, ou com a gente cantando tão feliz a ponto de eu quase ultrapassar o sinal vermelho, ou dez minutos ouvindo ela falar sem parar sobre o filme favorito dela, ou porque gatos são melhores que cachorros, ou sobre a vida em outros planetas e que eles estão entre nós, apenas não fomos permitidos vê-los porque humanos são preconceituosos com os da própria raça, julgam a aparência dos que são iguais a si, que imagine então se vissem o diferente. Sinto que meus lábios riem sem querer ao pensar nisso.
Ah, como eu gostaria de estar em qualquer outro lugar com ela.
Dez minutos debaixo dos lençóis em um domingo de manhã preguiçoso.
Dez minutos, escutando o som da chuva em que ela sempre teima que seria uma boa a gente se lavar nela. Penso agora que eu deveria ter aceitado. Teria a imagem dela sorrindo debaixo da chuva.
Dez minutos, dela descalça, dançando na cozinha.
Dez minutos, de nós dois na banheira.
Dez minutos, de nós dois andando de mãos dadas e ela me mostrando tudo que ela acha lindo.
Dez minutos, da gente num barzinho cantando com banda.
Dez minutos de sorrisos...olhares...beijos... E eu observando e brincando com os nós dos dedos dela. Eu amava brincar com as mãos dela...
As unhas bem feitas em "dedos longos de pianista que nunca tocaram piano", ela dizia.
Sinto que estou rindo outra vez.
Bebo mais um gole de champanhe para disfarçar o riso no rosto. Marcela me pergunta algo, com um " Não é mesmo Bernardo", eu não sei o que era, não ouvi do que elas falavam. Mas balanço a cabeça concordando com o que ela disse. Com certeza não é importante, nunca é.
Eu só queria dez minutos no paraíso ao invés de uma hora no inferno de " A Hora do Brasil" que é essa minha vida.De repente algo me tira do transe, escuto um som de percussão que me é familiar, tão familiar que meu corpo se arrepia ao ouvir.
Um solo de guitarra conhecido....
Peço licença de procuro me aproximar da banda, incrédulo pelo que estava ouvindo.
Era Hotel California. Estava hipnotizado pelo som daquela música.
Em segundos todos os meus sentidos foram levados até Cecília.
Senti seu perfume, vi seus lábios vermelhos que me sorriam sem parar, eu ouvi o som de sua voz que me dizia " Vem"... " não temos tempo a perder " .... " Eu te amo"....
Eu vi seus cabelos se mechendo enquanto ela dançava....
Mas eu estava de olhos fechados e quando eu os abri, ela não estava lá, era apenas a música, sem Cecília.
Fui tomado por um impulso de coragem e desespero que saí correndo, eu precisava vê-la.
Não suportava mais " A Voz do Brasil", eu queria uma vida no paraíso. Já não me bastavam mais os dez minutos escondido em meus pensamentos.
Quando eu já estava na porta, Marcela me alcançou._ Onde está indo?
_ Marcela, eu não posso mais com isso. Não dá. Eu não aguento.
Acabou. Faça o que vc quiser.
Tire o que quiser de mim. Já não me importo mais. Eu não quero mais nada disso. Eu nem gosto disso!
Mas eu precisava estar aqui pra entender que eu não gosto disso. Eu odeio essa vida e toda essa futilidade.
E não precisa me ameaçar e nem seu pai, eu já sei!_ Bernardo, volte aqui. Vc não pode me deixar assim.
_ Posso, posso sim! Eu tentei fazer vc entender, mas vc não quis, nos arrastou pra isso.
_ Vc vai se arrepender, eu juro! Vc vai me implorar pra voltar. E nem precisa voltar na empresa. Se antes não conseguia trabalho, agora então, muito menos.
_ Vou projetar um carrinho e vender água de coco na praia,mas não volto pra vc,Marcela!
Digo isso enquanto abro a porta do carro. Estou rindo, rindo muito disso.
_ Ah, Marcela, uma última coisa...
Eu nunca vou implorar pra voltar pra vc, porque pra isso, eu teria que querer!Entro, ligo o som do carro, bem alto, saio arrancando o paletó, a gravata, como se estivesse me soltando das amarras que usava.
Estou livre, sinto.
Eu só quero correr para Cecília.
Li no livro de Cecília que amar é como uma droga, que nos vicia, e que na ausência da pessoa amada nos faz sentir abstinência e nos faz estar dispostos a fazer qualquer coisa pelo amor.
Bendita sejam as músicas que nos despertam da anestesia de uma vida chata....
Bendita sejam as músicas que nos encorajam em momentos de medo...
Benditas sejam as músicas que nos salvam de nós mesmos...
Bendita sejam as músicas que são um elo mágico que liga o sonho e a realidade...
Eu sorrio, eu canto, canto o mais alto que consigo, como se cantando alto pudesse dizer à ela que estou chegando...
Como uma canção de um exilado que passa tempos longe da amada, mas que quando volta grita a todos sobre a saudade que sentiu e do amor que ainda sente...
Eu sou o exilado, que agora volta com seu violão, uma mala cheia de sonhos, e coragem nos bolsos.
Vazio de tudo aquilo que o fez ir embora, e cheio de tudo aquilo que não tinha quando partiu...
A maior bagagem que carrego é a esperança, de que ela me perdoe, que me aceite de volta.
De ter de novo um sorriso, aquele mágico, o portal que me leva de volta para o paraíso.A trilha sonora utilizada para a escrita desse livro e músicas citadas em capítulos estão disponíveis em uma playlist de mesmo nome no Spotify. O link está disponível logo abaixo.
Vc pode ouvir enquanto lê!https://open.spotify.com/playlist/5yZi7RLihaORb1kvti11Ry?si=1P5SW6oASluB4ChRhVQZ8w

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Destinados
RomanceCecília, tem uma vida dinâmica, uma jovem obstinada e corajosa. Acredita que sua vida tem um propósito e está sempre em busca de respostas para os sonhos estranhos que tem desde criança. Seriam eles lembranças de suas vidas passadas, ou premonições...