Capítulo 76 - Bernardo

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Anos se passaram desde aquele meu último encontro com Cecília na  cafeteria.
O "Déjà vu", dito por ela, que eu pensava ser o recomeço para nós, se tornou o adeus definitivo.
Eu não pude me explicar, ela nem ao menos me deu chance.
Estava magoada demais, ferida demais pelas palavras que eu a havia dito quando terminamos.
Era incapaz de me perdoar, por mais que desejasse.
Chamava- me de mentiroso e dizia não acreditar em mais nada do que eu dizia.
Eu via a dor em seus olhos ao me dizer que se sentiu roubada de si mesma depois do que eu a havia feito.
Dizia querer poder voltar no tempo e apagar qualquer vestígio de minha existência em sua vida, que eu nada mais tinha a dado que dor, que nada de bom havia deixado, que pelo contrário, havia tirado todas as suas partes boas e que só seria capaz de me perdoar os dia que as tivesse de volta, o que julgava ser impossível e que por isso também era impossível seu perdão.
Não havia mais chance para nós dois, era tarde demais.
Nossa oportunidade tinha chegado naquele primeiro encontro, naqueles momentos felizes que passamos juntos, e tinha partido quando a deixei com aquelas palavras tão duras e frias, e não havia mais como pegar aquele "trem", ele havia deixado a estação para não mais voltar.
Era tarde demais.
Eu a perguntei se ainda me amava, ao que ela me respondeu que não sabia dizer que não me amava, porque ainda amava, mas não como antes.
Havia amor, mas havia também raiva e magoa.
Havia agora um outro homem, que lhe dava o amor que ela precisava. E que ela o amava, embora não fosse o amor que sentiu por mim um dia, ela o amava e se sentia segura ao lado dele, de uma forma que não se sentia mais ao meu lado.
Doeu em meu coração a ouvir dizer " Vc é o amor da minha vida, mas não é o amor para a minha vida."
Eu queria ser o amor da vida e para a vida. Eu queria ser todo o amor que ela desejava e precisava.
Eu sei que posso ser eu sei que sou, apenas não sei como fazer isso. Tantas coisas estão amarradas nesse fio que nos une, nós que tento desatar para chegar até ela, mas que quanto mais tento, mas me enrolo.
Me sinto impotente diante à esse nós e incapaz de ser o que preciso ser e o que posso ser para ela.
Ela me disse, " Em outra vida quem sabe".
Mas eu não quero em outra vida, eu quero nessa vida!
Quero tê-la de volta em meus braços, dançar com ela, sentir o cheiro de seus cabelos, o sabor de seus lábios, sentir o calor de sua pele. Quero de volta nossas conversas infinitas e os dias felizes ao seu lado.
Quero cantar para ela enquanto toma uma taça de vinho e sorri.
Quero ouvi-la falar sem parar sobre as coisas que acha interessante, brigando com o cabelo que o vento insiste em bagunçar e que ela se recusa a fechar a janela, porque diz gostar da sensação, enquanto dirijo para lugar nenhum, mas que sabemos que será nosso, só porque estamos juntos.
Mas não adiantava, era tarde demais. Ela já não acreditava em mim, eu havia me tornado um mentiroso, no qual não depositava mais sua fé.
Em seu coração apenas guardava as lembranças do que ela disse ter somente ela vivido e sentido, e que eu nem mais me recordava, porque para mim eram apenas mentiras. Mas eu me lembrava de tudo, tão bem ou mais que ela.
Mas ela não me permitiu dizer nada, não adiantava. Eu era uma mentira!
Eu tentei contar a verdade, mas também não tive chance. E ao ver quantas magoa existia dentro dela, percebi que seria inútil arriscar.
Ela me devolveu o colar que a dei,tentei toca-la, mas ela puxou a mão.
Estava fria, e dizia ter se tornado assim por minha culpa. Que fui embora levando sua parte boa e deixando minha parte ruim. Que era agora mais parecida com quem eu era.
A verdade é que em uma coisa ela tinha razão, eu agora era uma pessoa mais parecida com ela do que com quem fui entes dela. Se roubei delas essas partes que ela me me acusa, eu não sei. O que sei é que se fiz, não percebi, se fiz não não foi de propósito, mas como ela mesma disse, fiz bom uso dessas partes, e me tornei alguém mais parecido com ela.
O que me entristeceu foi ver que ela havia se tornado parecida com as partes em mim que eu mesmo não gostava e que lutei tanto para me desapegar.
Doeu ver o mal que causei à alguém que me fez tão bem, que me devolveu a vida que eu nem imaginava que queria viver.
Mas o que me doeu mais foi perceber que embora nós dois tivéssemos vivido aquele amor um dia, tudo o que restou dele foram as lembranças boas misturadas com a dor do fim.
Aquele final destruiu todas as coisas bonitas que vivemos.
Me doeu a ouvir dizer que me amava, mas que precisava ficar longe porque toda vez que eu me aproximava eu a machucava. E que a dor de minha ausência era menor que a dor que eu a causava cada vez que eu me aproximava.
Senti que meu amor não era mais um amor que constrói e sim um amor que destrói. Parece que tudo que eu toco se quebra, por mais que minha intensão nesse essa.
Eu quero deixar Marcela, eu quero ficar com Cecília. Mas sempre que eu tento dá tudo errado, como agora.
Eu sei que ela tem razão, eu deveria ter feito isso antes de a procurar, não ter feito me deixou ainda mais sem credibilidade. Mas eu não pensei, eu só fui. Só me dei conta disso quando ela me mostrou minhas redes sociais em seu celular, escrito "casado".
Não havia como argumentar, eu estava errado. Eu sempre estou errado, mesmo quando tento acertar.
Eu inverto as ordens, sendo que se eu as seguisse tudo daria certo no fim, mas eu as inverto, faço o depois no antes e o antes no depois e no fim da tudo errado.
Quando a vi indo embora, eu me permiti errar pela última vez, de inverter a ordem de minhas ideias e ações pela última vez, eu queria  provar que ela estava errada, que sua boca fala que não sente, mas que não consegue me olhar ao falar. Seu corpo diz outra coisa e eu sei que quando chego perto, meu cheiro a chama, como se as lembranças dançassem ao nosso redor.
A uma contradição nos gestos dela, uma tensão silenciosa que grita mais alto que qualquer palavra negada.
Os olhos dela quando ousaram cruzar os meus, traíram seu discurso frio e me mostraram as lembranças que ela tenta apagar.
Cada movimento dela, aparentemente calculado, revelava a verdade oculta  nas entrelinhas do que ela não dizia.
Eu via seu peito descer e subir, num ritmo descompassado, como um reflexo involuntário de todo sentimento que ainda pulsa dentro dela.
Estou ciente de sua tempestade contida, escondida atrás de uma calmaria forçada. Sei que seu sorriso disfarçado guarda segredos sobre aquilo que sente de verdade.
Ela se reveste da máscara da indiferença, mas suas mãos tremem quando eu me aproximo.
A distância que tenta criar é um eco vazio, incapaz de conter a verdade que vibra entre nós.
Há um abismo entre o que ela diz, e que realmente sente, e eu transito por esse espaço. Entendo cada nuance, cada gesto não ensaiado, porque na sinceridade do silêncio, no arrepio que surge ao menor toque, encontro a prova de que apesar de tudo, ainda estamos aqui, existindo um no outro. Sentindo, resistindo, mesmo que ela diga que não.
Uma dança delicada, entre o negar e o confessar, entre o medo e a entrega. Porque no fundo sabemos que há mais verdade na fragilidade de nossos sentimentos negados do que firmeza nas palavras que insistem em esconder o que o coração já não consegue mais calar.
Então eu a beijei e ela me beijou também.
Tudo podia mudar, nós poderiamos mudar, o tempo poderia passar e a distância entre nós acontecer, porém, sempre que nossos corpos se encontrassem e nossas almas se fundissem eles se reconheceriam, independente do tempo e da distância, independente dos erros e acertos, das mágoas. Quando nossos copos se colam, nossas almas conversam e se entendem e todo resto, ainda que por um breve momento, some. Eu apenas queria mostrar isso à ela.
E ela viu, ela percebeu, ela sentiu e entendeu.
E ainda sim, ela foi embora.
Eu sabia que precisava deixá-la ir, ela disse que eu não estava pronto, que ainda tinha coisas à resolver, eu sabia que ela estava certa, mas ela também não estava pronta, um dia esteve, mas agora já não estava mais, ela precisava me perdoar. Nós dois não estávamos prontos.
Eu precisava de tempo e ela também.
Mesmo sabendo disso, eu temia que com o tempo ela me apagasse como desejava apagar, e que talvez quando me perdoasse, me esquecesse e eu não queria ser esquecido, queria ser perdoado e que assim sendo ela continuasse a me amar e que pudéssemos os dois, estando prontos, recomeçar. Mas não havia o que fazer, a não ser me preparar para que no futuro o destino nos unisse outra vez e que isso nos provasse de que somos mesmo destinados um ao outro e que nada era capaz de mudar isso.
Cecília partiu, eu continuei pensando nela, continuei a vendo em todas as coisas, pessoas e lugares.
Continuei a escrever cartas que nunca enviei.
Continuei a cantar em shows cujas músicas eram todas para ela.
E cada mulher que beijei, era ela quem eu beijava e depois sentia o vazio de trair meu coração, de tentar engana-lo com lábios que não eram os dela, de corpos que não eram o dela.
Algumas vezes tentei me enganar dizendo que havia passado tempo demais para me apegar à um amor do passado que nunca retornaria, mas no momento seguinte já estava fantasiando um futuro em que nos encontramos e ficamos juntos.
As tatuagens que fiz eram uma lembrança constante do amor que um dia vivi, e que ainda vivia em mim, por mais que o tempo passasse. Elas eram como uma cicatriz em pele, cuja ferida ainda estava aberta e sangrava em minha alma.
Ano após ano, o Akai Ito desenhado em meu peito me fazia refletir sempre que o olhava, eu torcia para que aquela fina linha do destino fosse puxada e enfim nossas mãos pudessem se tocar, enroscar nossos dedos e nunca mais se soltarem. Eu uniria nossas mãos, dando voltas e mais voltas naquela linha sobre nossas mãos, para que assim nunca mais elas se soltassem, para que nunca mais nos perdessemos um do outro.
Eu amava Cecília com toda a força da minha alma, eu sentia isso. Mas sentia que meu corpo e minha mente ainda eram fracas demais para suportar o amor que minha alma sentia. Era uma briga constante de sentimentos em mim que por vezes me fizeram chorar de desespero.
Foi em Rebeca que me refugiei, mas foi por Rebeca também que eu fiquei com Marcela durante todos esses anos.
Marcela estava cada vez mais doente e desequilibrada. Ela passou a ter comportamentos estranhos, vendo coisas que não existiam, ouvindo vozes que somente ela ouvia.
Chegamos à interna-la durante um surto psicótico, quebrava coisas, dizia coisas sem sentido.
Rebeca passou a ter medo da mãe e me via incapaz de deixar minha filha naquela situação. Me sentia responsável por Marcela por causa de Rebeca. Então fiquei por mais um ano, que dizia ser apenas mais um, então esses anos se transformaram em dois, três, cinco, dez.
Eu sei que usei Rebeca como motivo  para permanecer alí.
A verdade é que todas as vezes que me senti impelido de sair, algo aconteceu e amedrontou.
Uma dessas, foi que em uma tarde, quando Rebeca tinha por volta de oito anos, ao ir busca-la com a babá em um parquinho. Avistei alguém que senti que conhecia, era Cecília, apesar dos anos passados, eu a reconheci, era algo que não se explica, eu seria capaz de reconhece-la ainda que tivesse oitenta anos, toda vez que a vi, mesmo depois de tanto tempo separados, eu ainda a via como a conheci. Fiquei feliz, pensei que talvez fosse chegada a hora de nosso reencontro. Mas a ouvi chamar uma criança que corria, ela disse:

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