Capítulo 77 - Marcela

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Quando Rebeca nasceu, pensei que finalmente meu casamento com Bernardo fosse melhorar, mas nada disso aconteceu. Nossa convivência se tornou ainda mais frágil e difícil.
Ele se apegou a Rebeca, e cada dia que se tornava mais próximo dela, ficava mais distante de mim.
Diferente daquele bebê que tive e me desfiz, Rebeca não se parecia em nada comigo, era a cara de Bernardo e conforme crescia, não ficava apenas fisicamente parecida com ele, sua personalidade ia se moldando à dele, como se em nada fosse minha.
Eu sentia ciúmes por vê-los tão conectados, eu não consegui me apegar à ela, ver o quanto Bernardo à amava e não sentia o mesmo por mim, só fazia com que eu gostasse ainda menos dela.
Passei a ignorar à existência daquela criança. Seu choro me irritava, sua carência me irritava. As cobranças de Bernardo para que eu fosse uma mãe mais amorosa e presente só me faziam odiar ainda mais Rebeca.
Ela não gostava de nada do que eu gostava.
E quando eu tentava a levar aos meus eventos sociais ela me deixava nervosa, não queria vestir as roupas que eu pedia, não se comportava de acordo com o que eu esperava. Até que abandonei o desejo de a fazer ser igual a mim.
No início, contratei duas babas para que cuidassem dela e eu pudesse ficar livre das obrigações que me aborreciam.
Quando ela cresceu, ficamos apenas com Luzia. Luzia cuidava bem dela, sempre a acompanhando para onde quer que fosse.
Rebeca, estava sempre com Bernardo, indo com ele para o trabalho, para a casa dos pais e para os ensaios daquela banda horrorosa em que Bernardo insiste em tocar e que eu odeio.
Sinto que ele só faz parte dessa banda para ficar longe de mim e passar as noites de fim de semana fora.
Eu insisti o máximo que pude para que ele largasse a banda. Mas foi inútil.
Eu me sentia deixada de lado e cada vez mais solitária. Incapaz de fazer com que Bernardo me notasse e me amasse.
Eu tentava provocar ciúmes, com fotos em redes sociais, saídas noturnas com amigas, insinuações de que outros homens me queriam e me procuravam. Mas ele nunca reagiu, pelo contrário, dava-me a impressão de que me empurrava para tudo aquilo.
Então, com os anos, fui abrindo espaço para encontros casuais, mas sempre tentando ao máximo segurar Bernardo em nosso casamento. Eu jamais o deixarei, e nem permitirei que me deixe, ainda que nosso casamento esteja fracassado, nós dois permaneceremos juntos, pra sempre.
Tiago reapareceu quando Rebeca tinha por volta de seis anos.
Queria mais dinheiro, dizia saber sobre o que eu tinha feito com a criança que era fruto do nosso envolvimento no passado e que sabia de seu paradeiro e estava disposto à procurar meu pai e Bernardo para contar toda a verdade. Disse que faria um escândalo nas redes sociais, caso eu não pagasse por seu silêncio.
Percebi que ficaria refém daquele segredo para sempre, a menos que Tiago desaparecesse, afinal ele era o único que sabia de toda a verdade.
Tiago havia se mostrado alguém inescrupuloso durante aqueles anos, ficou fora do país, mas se envolveu com jogos ilegais, gastando todo o dinheiro que eu o havia dado e que agora devia muito à pessoas perigosas.
Eu sabia que ele não iria parar, ainda que eu lhe desse dinheiro agora, ele sumiria por um tempo, mas voltaria quando o dinheiro acabasse e outra vez me ameaçaria.
Entrei em contato com Fabrício, contei sobre as ameaças de Tiago e foi ele quem me deu a solução:

- Marcela, ele deve tanto dinheiro à pessoas perigosas que se sumisse de repente ou aparecesse morto, certamente a culpa recairia sobre essas pessoas. Ninguém sabe do envolvimento entre vcs. Jamais ligariam vc à morte dele.

- Mas como podemos fazer isso, Fabrício?

- Se me der o valor que estava disposta a pagar à ele pelo seu silêncio, eu o silêncio para sempre e nunca mais terá que passar por isso outra vez.

- Então faça! Pagarei à vc! Suma com Tiago para sempre.

Paguei uma grande quantia em dinheiro para que Fabrício desse um fim em Tiago.
Era madrugada de uma segunda-feira, quando recebi a seguinte mensagem de Fabrício.

"Como combinado, o problema foi resolvido.
Nosso amigo partiu para sempre, sem deixar lembranças."

Apaguei a mensagem logo em seguida que li.
Estava livre das ameaças de Tiago. Ele não voltaria à me perturbar.
Era o que eu pensava.
Eu nunca fui religiosa, nunca acreditei que houvesse céu ou inferno e muito menos uma vida além dessa.
Mas coisas estranhas começaram à acontecer depois da morte de Tiago.
Passei a vê-lo frequentemente em todos os lugares.
Sonhava com ele.
Escutava sua voz.
Passei a ver sombras e vultos.
Cheguei a ligar para Fabrício, o questionando se de fato Tiago estava morto.
E ele me disse que não havia dúvida quanto à isso. Tiago estava morto.
Eu estava enlouquecendo.
Passei a tomar medicamentos sobre a prescrição de um psiquiatra que procurei dizendo que estava vendo coisas. Ele me disse que era apenas estresse. No começo a medição era apenas para ajudar com a ansiedade, mas só piorava, passei a ter paranóia, e não conseguir dormir. Ouvia Tiago dizendo:

- Eu ainda estou aqui. Vc me tirou a vida e agora vou fazer com que vc também tire a sua. Vc não vai se livrar de mim.

Eu escutava sua risada pelos cantos da casa.
Durante um surto, quebrei algumas coisas em casa, atirando sobre um fantasma que somente eu via, todas as coisas que encontrava, então papai e Bernardo me levaram para uma clínica onde fiquei por duas semanas.
Voltei para casa e em alguns períodos tinha paz, Tiago sumia, mas logo voltava para me assombrar e eu voltava à ter surtos.
A medicação ajudava à dormir por algumas horas, mas quando estava acordada era como estar em um inferno.
Por duas vezes coisas estranhas aconteceram, em uma delas, amanheci com os pulsos cortados, mas não me lembrava de ter feito aquilo. Na outra, disseram- me que eu havia ingerido medicamentos em excesso e tive uma overdose. Da qual também não me lembrava de ter feito.
Nas duas, acordei no hospital sem entender nada, amarrada à uma cama, pois diziam que eu estava em surto psicótico.
Nada fazia muito sentido, eu apagava, tinha lapsos de memória e fazia coisas das quais não me recordava depois. Como se outra pessoa se apossasse de mim.

Rebeca crescia distante de mim e próxima ao pai.
Não me lembro de vê-la crescer. O tempo passava depressa demais e não me recordava de tê-la visto passar de bebê para criança e de criança para adolescente.
Se tornou uma jovem rebelde, usando sempre camisetas largas de banda de rock, piercings, maquiagem preta nos olhos e cabelo colorido.
Eu odiava seu desleixo. Ela era tudo que eu não queria em uma filha.
Ela me odiava, eu via em seus olhos. Nossas brigas, no pouco tempo que ficávamos juntas eram cada vez piores.
Ela me dizia:

- Vc é louca! Por isso é assim, por isso ninguém quer ficar perto de vc! Por isso meu pai não te suporta.

- Sua mal educada! Vc é assim por causa de seu pai. Ele te mimou demais, deixou vc fazer o que queria. Olha pra vc, com essas roupas horrorosas, parece uma indigente.
Quem é que vai querer vc? Que rapaz vai querer ter alguma coisa com uma moça que se veste assim?

- E vai querer com vc? Vc pode usar as melhores roupas, sapatos, perfumes e ser a mulher mais linda. Ainda sim ninguém te quer, porque vc é chata, arrogante, fútil, se acha melhor que todo mundo.
Vc pode ser linda por fora, mãe, mas vc é feia por dentro.

- Vc é igualzinha à seu pai!

- Que bom! Graças a Deus! Eu nunca quis ser como vc!

Ela saia batendo as portas depois de cada discussão como essa, sumia por dias, ia para a casa dos pais e Bernardo e ficava por lá. Eu não me importava, afinal, ela nunca foi a filha que eu desejei que fosse e eu sabia que não tinha sido a mãe que deveria ter sido. Era tarde demais para nos aproximarmos. Rebeca era como era e eu me envergonhava dela. Era melhor que ninguém soubesse que eu, sendo como sou, tivesse uma filha como aquela.
Nessas horas me lembro daquele bebê que nasceu tão parecido comigo, do qual me desfiz. Talvez aquela criança tivesse sido mais parecida comigo em tudo, não só na beleza. Talvez tivesse sido uma companhia melhor que Rebeca.
E que fim teve aquela criança? Será que ainda está viva?
Não importa. Tudo foi como foi.

Bernardo estava cada vez mais envolvido em suas coisas e menos comigo.
Todos pareciam não querer ficar perto de mim e isso me deixava ainda mais neurótica.
Eu viajava sempre que podia para outro país, sentia que longe me distraia e podia viver outra vida.
Mas nunca tinha paz. Ainda via e ouvia Tiago.
Eu culpava Cecília por tudo aquilo, se ela não tivesse atravessado meu caminho nada disso teria acontecido.
A culpa era dela, ela me tirou o amor de Bernardo e a possibilidade de ter um bom casamento.
Foi por culpa dela que conheci Tiago, que engravidei daquela criança, que me desfiz daquela criança e matei Tiago.
É culpa dela que agora eu esteja atormentada e infeliz.
Tudo culpa de Cecília! Mas se eu não posso ser feliz com Bernardo, ela também não será. Eu jamais permitirei que eles fiquem juntos, nem que para isso eu tenha que o segurar comigo para sempre!
Passem os anos que passarem, Bernardo será para sempre meu!



A trilha sonora utilizada para a escrita desse livro e músicas citadas em capítulos estão disponíveis em uma playlist de mesmo nome no Spotify. O link está disponível logo abaixo.

Vc pode ouvir enquanto lê!

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