𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 12

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CAPÍTULO 12

𝙰𝚋𝚎𝚛𝚝𝚞𝚛𝚊 𝚍𝚘 𝚍𝚒𝚊 198 𝚗𝚊 𝚊𝚐𝚎𝚗𝚍𝚊 - 02/05/2025

A última vez que nós estocamos comida foi há vinte dias atrás, porque foi só há vinte dias atrás que encontramos um mundo normal. Mas a nossa comida acabou ontem, e nós sempre contamos com a sorte de que vai aparecer outro lugar para termos comida.

Mas não vai.

Eu sei que não vai.

E eu estou com muito medo do que vai acontecer.

Minha barriga está doendo de fome desde ontem de manhã. Eu mal consigo ficar de pé sem desmaiar. Cinco também parece muito mal. Ele tem uma resistência maior que a minha, mas também faz mais esforço que eu.

- Mary... me diz como você está. Se consegue esperar mais um pouco. Porque se não, só temos essa opção - Cinco diz para mim, os olhos caídos e a voz rouca.

Eu temo que não consiga passar mais um dia sem comer, justamente quando meu corpo precisa de energia para procurar comida no mundo afora. Mas eu não consigo. Minhas roupas já estão tão largas em mim que estão caindo, e eu preciso fazer nós nelas. São as mesmas roupas de quando comecei a viajar nesse metrô.

- Eu não consigo. - Respondo a ele.

Cinco balança a cabeça, por um momento, seus olhos sentem pena de mim. Não pela minha escolha, mas por eu ter que passar por isso. Hargreeves se levanta devagar, fraco, e caminha de encontro a uma das colunas de estrutura da plataforma, de onde há um buraco no chão com um ninho de ratos.

Eu vejo ele se agachar, de costas para mim, e após alguns segundos, assisto seu punho subir acima de sua cabeça e descer com força. Houve um baixo ruído fino antes da pancada, e eu virei minha cabeça na direção contrária. Ele fez isso várias vezes.

Eu montei a fogueira, cercando-a com tijolos e acendendo uma faísca sobre os papéis amassados. Coloquei a grade por cima, esperando o fogo se alastrar e aumentar. Cinco voltou um tempo depois, direto do banheiro, e carregava alguns ratos em seu braço.

- Não vai ser tão ruim, tá? Podemos colocar esse limão por cima - Cinco mostra, tirando do bolso. Ele se senta ao meu lado, espetando os ratos mortos em um palito e naturalmente colocando-os sobre a grade.

Aqueles três limões foram os únicos alimentos que nos sobraram, e até eles estão quase estragando. Eu observo os roedores assando diante dos meus olhos, e me lembro que nos primeiros dias eu morria de medo deles. E das baratas.

Nunca pensei em me alimentar deles.

Nunca pensei sentir tanta fome na vida.

Tanta que a ideia de usá-los para me alimentar está válida, e cada vez ganhando mais força.

Eu me lembro dos dias em que eu saia da Agência e ia almoçar no meu restaurante favorito, a duas ruas atrás do trabalho. Me lembro de como o prato era perfeitamente montado, e como era delicioso cada grão que havia nele. Meu estômago ronca alto com a memória, e devo parar porque não é aquele almoço que está na minha frente agora.

- Mary... me desculpa, mais uma vez.

- Tá tudo bem.

- Eu não queria que você passasse por isso.

- É sério, eu não ligo mais. Estou me acostumando. - Eu falo, girando o palito para o fogo assar o outro lado do animal.

- Esse é o problema! Marilyn, você tem um mestrado em Direito. Fala francês e alemão. É uma funcionária excelente. Eu pegava no seu pé porque você era boa demais. Mas... - Cinco faz uma pausa, interrompendo seu pensamento para tomar fôlego. - Sabe, é como um diamante num esgoto. É um desperdício.

O Exílio - Cinco HargreevesOnde histórias criam vida. Descubra agora