Interrupção

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  O loiro hesitou por um momento. Guardou aquele peso por tanto tempo, compartilhou somente com Yamaguchi. Ele fazia psicologia e sabia como ajudá-lo, mas, de qualquer forma, a culpa nunca saía de seu coração. Tsukishima suspirou, tentando conter o nó que formava em sua garganta. "Você é forte, você não chora", pensou.

— É complicado...

— Tudo bem. Você me ajudou. Mas se não quiser conversar, tudo bem.

Tsukishima respirou fundo, tomando coragem.

— Eu vim pra São Paulo, porque meu pai descobriu que eu era gay.

  Kageyama arregalou os olhos, surpreso pela confissão repentina de Tsukishima. Nunca imaginou que o loiro estivesse carregando algo tão pesado, muito menos que fosse esse o motivo de sua vinda para São Paulo. Ele permaneceu em silêncio, respeitando o tempo do amigo, esperando que ele continuasse.

  Tsukishima olhou para o chão, suas mãos trêmulas tentando encontrar algum apoio. Era difícil para ele se abrir, especialmente sobre esse assunto, mas algo no olhar de Kageyama o fez sentir que talvez, pela primeira vez em muito tempo, ele pudesse dividir um pouco daquela dor.

— Eu ia fazer Direito na UFRS. Era o sonho do meu pai, não o meu. – Ele riu, mas o som saiu amargo — Ele sempre foi muito rígido, sabe? Queria que eu seguisse o caminho dele, que fosse advogado e construísse a vida que ele planejou pra mim. E por um tempo, eu tentei.

  Kageyama ouvia atentamente, sem interromper, sentindo o peso daquilo que Tsukishima estava compartilhando.

— Mas... eu conheci alguém. – Tsukishima fez uma pausa, sua voz embargada — Um cara. Ele era diferente de qualquer pessoa que eu já tinha conhecido. Ele me fazia sentir coisas que eu não sabia que era capaz de sentir. – Ele fechou os olhos, tentando se recompor — E, por algum motivo, achei que poderia ter uma vida com ele. Um futuro.

  Kageyama viu Tsukishima apertar os punhos, como se estivesse se segurando para não desmoronar. Ele sabia que a parte difícil estava por vir.

— Ele também me pediu em casamento. – A voz de Tsukishima falhou, quase como se as palavras estivessem sendo arrancadas dele — E eu fugi. Eu não sabia o que fazer. Não sabia se estava pronto, ou se era forte o suficiente para enfrentar meu pai e o mundo ao meu redor. Eu só... fugi. – Ele riu de novo, mas dessa vez foi um riso triste, vazio.

  Kageyama sentiu um aperto no peito. Já era difícil imaginar Tsukishima, tão racional e controlado, em uma situação assim. Mas sabia que o pior ainda estava por vir.

— E antes que eu pudesse dar uma resposta, antes que eu pudesse sequer pedir desculpas por ter fugido... ele foi... ele foi atropelado. – A voz de Tsukishima se quebrou, finalmente cedendo ao peso da dor que ele carregava — Ele morreu. E eu... eu não estava lá.

  Kageyama engoliu em seco, tentando processar a dor que Tsukishima estava revelando. O loiro passou a mão pelos olhos, limpando as lágrimas que começaram a escapar, mas sua postura rígida continuava ali, como se estivesse determinado a não se permitir desabar completamente.

— Depois disso, meu pai descobriu. Não sei como, mas ele soube. – Tsukishima continuou, sua voz agora fria e distante — Ele ficou furioso. Disse que eu era uma decepção, que eu não merecia ser chamado de filho. E aí, eu fugi de novo. Dessa vez, para longe de tudo. Para São Paulo.

  Kageyama ficou em silêncio, sem saber o que dizer. A dor de Tsukishima era sentida, e ele sabia que qualquer palavra naquele momento pareceria pequena e insignificante diante de tudo o que o loiro havia passado. Mas ainda assim, ele se aproximou e colocou uma mão no ombro de Tsukishima, oferecendo o pouco conforto que podia.

Traços do Oriente | KageHinaOnde histórias criam vida. Descubra agora