Raça ruim

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Chegamos à biblioteca. Estava aberta, e meu pai sempre deixava a porta assim, na esperança de que eu ficasse lá me distraindo. As estantes eram enormes, alcançando o teto, e havia uma escada para pegar os livros mais altos. No canto, havia a mesa de reuniões de meu pai e outra mesa para leitura. O silêncio dominava o ambiente, então decidi quebrá-lo:

— Sente-se, Noah.

Ele se acomodou na mesa de leitura sem dizer uma palavra.

Entre as prateleiras, fui até a seção de letras. Peguei um livro pequeno de contos e outro de caligrafia e levei em sua direção. Ele me observava com uma expressão rancorosa.

Me sentei ao seu lado, o que deixou Noah visivelmente desconfortável, e comecei:

— Noah, como você me disse que não sabia ler, acho que posso mudar isso.

— Mudar? — Ele me olhou confuso.

— Sim, irei te ensinar a ler.

Ele ficou um pouco sem reação. Comecei a ensinar a letra "A". Falei por alguns momentos até que ele soltou um grande suspiro. Eu olhei para ele e ele disse:

— Não precisa continuar. Eu menti.

— Mentiu?

— Sim, menti. Eu sei ler, senhora.

— Já disse que pode me chamar apenas de Katherine. E eu já tinha imaginado que você havia mentido pra mim. Mas não entendo o porquê.

— Tive medo que quisesse me vender por ser mais caro um escravo que sabe ler. Imaginei que quisesse me vender para comprar suas joias.

Fiquei um pouco em choque com aquela confissão.

— Se eu quisesse joias, eu teria. Tenho muitas; não me fazem falta. Mas agora que já sabe ler, isso não é um problema.

— Um problema?

— Esqueça.

— Quero que cumpra uma ordem.

— Qual, senhora?

— Leia para mim.

— O quê?

— Eu mandei você ler para mim, Noah.

— Tudo bem, qual?

— Eu disse que poderia ser o conto que estava na mesa.

Ele começou a ler para mim, e assim se passaram longas horas. Sua voz grave ecoava pela biblioteca enquanto ele lia perfeitamente.

Tive um momento de distração ao analisá-lo. Para um escravo, ele era bonito. De onde será que veio? Por que depois de um simples banho ficou tão chamativo?

Ele percebeu minha falta de atenção e perguntou:

— Algum problema?

— Nenhum; acabei me distraindo apenas.

Olhei para o relógio e já eram cinco da tarde. Observando pela pequena janela atrás da mesa do meu pai, percebi que tudo estava escurecendo. Nem ao menos comi nesse meio tempo.

— Vamos tomar banho e comer algo, Noah. Prepare seu banho e desça para pedir pra prepararem o meu. Depois espere no seu quarto; eu irei chamá-lo.

Então ele saiu, me deixando sozinha na biblioteca.

Guardei os livros e desci para o meu quarto. Lá já estava a escrava preparando meu banho. Tomei o banho preparado e vesti um vestido mais simples que tinha. Em seguida, fui até o quarto do Noah e dei três batidas na porta.

Ele abriu e perguntou:

— O que deseja, senhora?

— Vamos comigo jantar.

Sentei à mesa onde meu jantar já estava pronto. Dei permissão para Noah sentar-se comigo e comer o mesmo que eu estava comendo. Eu sabia que os escravos sempre ficavam com os restos de comida que sobravam, mas ele não era um simples escravo; era meu escravo. Queria ele forte para fazer o que eu quisesse sem problemas; para isso ele precisaria se alimentar bem.

Terminamos o jantar e então o chamei:

— Noah, venha comigo.

Ele me seguiu até a frente do casarão. Sentei no balanço feito por ele enquanto ele ficou em minha frente.

— Noah?

— Sim, senhora?

— De onde você veio?

— Não sei exatamente de onde vim.

— Você tinha família ou tem?

— Eu tinha uma mãe quando criança, mas fui vendido e nunca mais a vi.

— Sinto muito.

— Não, não sente.

— Como?

— Você não sente.

— Por que diz isso?

— Porque é a verdade; vocês só pensam em vocês mesmos. Sua raça é a verdadeira raça ruim.

Levantei do balanço incrédula com tamanha rebeldia do meu escravo. Me defendi:

— Minha raça é ruim? Não é isso que dizem os fatos!

— Fatos feitos por vocês — respondeu ele com desdém nos olhos.

Fiquei muito irritada com tamanha insolência vindo de um escravo.

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