O retorno do pai

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O sol estava começando a se pôr, lançando uma luz dourada sobre a biblioteca, onde ainda estávamos. A conversa com Noah fluiu de maneira surpreendente, mas, de repente, um frio percorreu minha espinha ao lembrar que meu pai voltaria de sua viagem a qualquer momento. Ele sempre trazia consigo uma presença opressora, e hoje não seria diferente.

— Noah — comecei, hesitante —, preciso te contar algo.

Ele me olhou com curiosidade, o sorriso ainda nos lábios.

— O que foi? — perguntou.

— Meu pai... ele volta hoje. E, bem, ele não gosta da sua gente. Na verdade, ele despreza.

A expressão de Noah se endureceu por um instante antes que ele recuperasse sua compostura.

— Entendo — respondeu ele calmamente. — E isso muda algo entre nós?

Eu suspirei. O peso do que eu tinha que fazer era quase insuportável.

— Eu vou ter que fingir que não gosto de você, Noah. Para não levantar suspeitas.

Ele franziu a testa e a expressão dele se transformou em algo entre confuso e decepcionado.

— Então é isso? Tudo o que tivemos até agora foi em vão?

— Não! — exclamei rapidamente. — Não é isso que eu quero dizer... É só que meu pai é muito rígido e eu não posso desafiá-lo agora. Ele me observa de perto.

Ele se afastou um pouco da mesa, como se estivesse tentando processar o que eu dizia.

— Katherine — começou Noah com uma voz firme, mas calma — eu entendo que você tem obrigações familiares. Mas isso não significa que você precise esconder quem você realmente é ou o que sente.

Eu senti meu coração acelerar ao ouvir suas palavras. Era como se ele tivesse enxergado diretamente dentro de mim, capturando a confusão e a luta interna que eu sentia. Mas a realidade era clara: meu pai voltaria para casa em breve e eu precisava estar preparada para encarar sua desaprovação.

Nesse momento, a porta da biblioteca se abriu com um rangido suave e vi meu pai entrar, trazendo consigo uma aura de autoridade inegável. Ele era um homem imponente; sua postura ereta e seu olhar penetrante deixavam claro quem mandava ali.

— Katherine! — ele chamou com um tom firme. Eu me endireitei imediatamente, sentindo o peso da obrigação sobre meus ombros. — Como tem passado?

— Bem, pai — respondi com um sorriso forçado.

Ele olhou ao redor da biblioteca e então seus olhos pousaram em Noah. A tensão no ar ficou palpável enquanto meu pai avaliava o garoto à minha frente.

— E você é...?

— Noah, senhor — ele respondeu sem hesitar, mas sua voz tinha um leve tremor que eu percebi imediatamente.

Meu pai arqueou uma sobrancelha, seu desprezo evidente nas linhas do seu rosto.

— Interessante... Não sabia que você tinha companhia aqui dentro — disse ele com desdém. Havia algo em seu olhar que fazia questão de deixar claro o quão indesejado Noah era naquelas paredes.

Senti uma onda de vergonha e raiva subirem em mim ao ver como meu pai tratava Noah apenas por ser quem era. Mas eu sabia que precisava manter a calma e não deixar transparecer minha verdadeira opinião sobre a situação.

— Estávamos apenas estudando juntos — consegui dizer, tentando manter minha voz neutra.

Meu pai balançou a cabeça lentamente, como se estivesse avaliando cada palavra.

— Muito bem... Espero que você saiba escolher suas companhias com sabedoria, Katherine. Lembre-se sempre do seu lugar nesta casa.

O tom dele deixava claro que qualquer amizade ou afeição por parte de Noah era inaceitável aos olhos dele. A raiva crescia dentro de mim enquanto eu lutava contra as palavras afiadas na ponta da língua; eu queria gritar para ele entender o quanto isso era injusto.

Noah permaneceu em silêncio ao meu lado, seus olhos fixos no chão enquanto suportava o desprezo do meu pai sem responder. Eu podia sentir a frustração dele pulsando no ar entre nós enquanto meu pai continuava a falar sobre suas expectativas e obrigações familiares.

Quando finalmente meu pai saiu da biblioteca novamente, eu me voltei para Noah, insegura sobre como agir agora.

— Desculpe por isso... — murmurei com um aperto no peito.

Ele me olhou nos olhos e sorriu levemente, mas havia uma tristeza escondida ali também.

— Não precisa pedir desculpas por algo que não pode controlar — disse Noah com sinceridade.

Eu sabia que esse momento mudaria tudo entre nós; as barreiras levantadas pelo desprezo do meu pai eram enormes e desafiadoras. Mas havia algo em Noah que me fazia querer lutar contra essas correntes invisíveis. A ideia de esconder o que sentia parecia cada vez mais difícil à medida que nos conectávamos mais profundamente naquelas horas silenciosas juntos na biblioteca.

A vida estava prestes a ficar muito mais complicada... mas talvez esse desafio fosse exatamente o que precisávamos para descobrir quem éramos realmente um para o outro.

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