PONTO DE ÔNIBUS

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Querido, leitor, prezado paciente que ler as prosas que saem de retinas observadoras, e que nas faltas de juízo, ou melhor, a falta da atenção causada pela audição meio estorva da causa, trás a visão, visão essa do prosador, ou melhor, o fofoqueiro cronista.

17:20

Chega em primeiro, após a partida do ônibus, João Paulo, que no estresse do dia a dia, só quer o pingo de esperança em chegar o ônibus previsto para às 17:30. É difícil a concentração de um clima em que 30% se respira abutres sobrevoando ao deserto e 70% de querer uma piscina geladinha. É duro a mente do JP. Ainda mais com essa pressa de ir logo e dormir na ingratidão que a cama e a mulher sofredora dele já pensa no dia a dia.

17:22

Lina e sua filha, chamada Bruninha, chegam pra companhia do funcionário amargurado.
Num leve suspiro, em que a Lina tem a impressão que a paz logo chegará para transportar ao doce lar, se torna invisível, pois na frente delas, passa o Sr. Fulano gritando:

— OLHA O PICOLÉ! TEM DE MANGA! TEM DE CHOCOLATE! TEM DE GOIABA! TEM DE TUDO QUE DEUS DEU FRUTO AO HOMEM! OLHA O PIIIICOOLÉ-LÉ-LE-LÉ-LÉ!

— Mamãe, eu quero picolé! — Com a mais pura e singela expressão de choro pedinte em meio de uma espécie de Rio 40°

— Bruninha, não temos dinheiro, lá em casa tem picolé no congelador 

— Mas eu quero esse mamãe! — consequência disto, vem o choro (tadinha da mãe).

17:25

Vem vindo ali, com toda força que lhe ainda existe, o Sr. Sebastião. Veterano da guerrilha do Araguaia, lutara contra as forças do regime militar, mas não foges da chata rabugenta passagem do tempo, onde não se encontra paciência com nada disso que corre nas ruas urbanas.
Para a infelicidade do velho desacompanhado, ele vê os berros da criança. É inevitável a cara da mãe, onde tinha o desejo de ser igual uma avestruz, e enterrar a cabeça embaixo da terra, de tanta vergonha com os berros de Bruninha.

— Ei, criança feia, que coisa feia isso, uma criança desse tamanho, chorando por quê?

— Quero picolé.

— Picolé? Menina, na minha época não tinha essas molezas pra gente não — segundos depois, a menina mostra a língua pra ele.

— MAS, MENINA! TENHA RESPEITO.

17:27

Um grupo de adolescentes, uns cinco vindo do colégio central, era Paulo, Pedro, Henrique e Julia, pedro é caidinho por Júlia, onde Júlia não dá bola pro menino que não cala a boca, e não tem um pingo de romance na alma, e só olha curvas de olhos cegantes da pré-adolescência. Enquanto o besta dá em cima da pobre menina que só quer ir pra casa, Paulo e Henrique caçoam daqueles que que passam na rua, pois tudo é motivo de risada daquelas bestas crianças de 14 anos, era o aborrecimento do João Paulo, chefia da fila do ponto de ônibus, era da criança chorando, do velho "mordido" de raiva, era do forçamento de barra do Pedro e a raiva digna de verdade da Júlia, era tudo, até vento, era tudo pra ser piada para aqueles adolescentes chatos que não tinham noção da vergonha na fila.

17:30

Com a fila formada, vem a vista esperançosa de João Paulo, o ônibus estava vindo, mas espera aí, o pneu está furado! Em uma hora dessas? Isso acontece? Meu Deus!

— Era só o que faltava, o que aquela mulher chata vai pensar quando eu chegar tarde em casa? — disse João Paulo 

— Ai meu Deus, era meu consolo pra esse menina parar de berrar, é que esse ônibus chegasse e fossemos pra casa — disse Lina

— Era só o que me faltava, nem nesses anos de lida revoltosa, me ocorre um imprevisto desse, se fosse na minha época, eu... — Disse Raimundo

— Olha só Pedro! Essa encheção de saco sua, acabou de fazer a ira dos deuses, como irei pra casa?— disse Júlia 

— HAHAHAHAHAHAHA — Disse Paulo e Henrique 

— OLHA O PI-CO-LÉ — Gritou a polícia? Não né! Foi o Sr. Fulano

17:33

Todos já estavam exaustos, João Paulo paralisou-se na raiva, não havia motivo mais chato do que chorar pelo leite derramado, iria chegar tarde, iria fazer de sua promessa de chegar cedo e ver o jogo do Paraná, uma mentira, pois não contava com esse imprevisto medonho.
Lina não estava mais em si, talvez estava em Marte, colonizado terras para ter uma casa nova e morar lá. Bruninha não queria mais picolé, tomou a consequência para si, e soltou a mão da mãe dela e disse se poderia ajudar o moço do ônibus pra consertar o pneu, a mãe riu, Sebastião também riu, o chato Pedro também riu, assim sucedido ao bem do perdão, pelo que falara e fizera a coitada Julia, onde estava derretendo, e aproveitou alí pra comprar um picolé para ela e a Bruninha, onde cativou o coração da nossa Júlia.
Paulo e Henrique ficaram com sono, mas estavam em pé, encostados no pé de amendoeira, perto do ponto.

17:37

Eureka! Grita em tom alegre o mecânico que chegará segundos antes, estava consertando o pneu.
Rara fineza do João em demonstrar alegria para a situação.
Bruninha dormiu com o palito de picolé no colo da Lina.
Júlia dormiu de tanto sono, talvez sonhasse num mundo onde Pedro fosse mais gentil, mais coração e menos agressão no seu modo de ser.
Pedro, com vergonha, parecia ouvir os sonhos de Júlia, onde ele se embrulhava em reflexão no assento perto da janela do ônibus.
Paulo e Henrique riram, e como num sopro, dormiram em instantes, onde só acordaram no ponto depois de suas casas

Fragmentos de Memória e MelodiaOnde histórias criam vida. Descubra agora