NELSON NO HOSPITAL

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— Bom dia, Seu Nelson! A recuperação ainda em andamento, não é mesmo?
— É, estamos ai né, querendo ficar bom
— Você tem alguém pra companhia?

Eita, enfermeira, agora é uma prosa do Seu Nelson.
Eu tinha dinheiro, o suficiente para ter aquilo que queremos nas mãos. Moro alugado, perto do morro da batata, alí pegando quase no convento de Santa Barbara, mas bem, o que eu estava falando mesmo? A sim, eu era um barão para a vadiagem, todo sábado eu tinha aquela forrinha pra vadiar, saia de bares em bares pelo centro, aquela coisa bem boêmio por sinal. Fui acumulando aqueles momentos onde a cachaça trouxeram ilusões da felicidade, fui feliz (por uns minutos) mas depois, era mais uma dose de cachacinha da boa.

— O senhor tinha uma vida boêmia então né?
— Com certeza, minha filha.

Mas o que dava ao conforto de tranquila pausa nessa coisa toda ai, era Carola, Carola era minha madrinha. Eu bobo, não dei ouvidos para ela, era só aqueles avisos de que a boêmia não daria camisa a ninguém, mas eu não ligava, ela para mim era respeito, até ele ficar chato né?
Nessas rotinas de bar em bar, fui ganhando famas pelos bares da cidade, até apelido eu tinha. Lá vem o Nelson da cachaça, com seu violão de fios da barba de um leão marinho.
Me sentia o rei ali da vadiagem, sem disputas no meu território boêmio, mas tudo o que se conquista facil, também tem o resultado das amizades né?
Nesses bares que fiz minha rota, não colecionei muitos inimigos, mas muitos que o santo não bateu. Conheci amigos, esses me acompanhavam até os bares. Enchemos a cara de cachaça, com os donos se estressando com nós e aquela bagunça toda, entendeu?

— Mas o que aconteceu para o seu estado atual?

Eita, minha filha, a vadiagem é uma alegria passageira, logo depois de tudo, a tristeza vem forte no peito, né? Assim foi comigo. Fui sair pra vadiagem, eles esperaram lá, embaixo da escada do morro. Cai numa queda quase de pintura, quebrei feio a perna. No clamor de ter alguma ajuda, aqueles amigos pegaram meu salário no bolso, e deram no pé. Desde lá, não vi nada do que há de ter nada dos seus vestígios. Aquilo foi um tiro no peito, não contei com traições nessa vida de fidalga.
Sorte que eu tinha dona Carola. Ela mesmo brava com os resultados dessa boêmia, me aceitou, e eu nunca mais fui pra essa vida de boêmio.

— Nossa, é uma história bem distinta da visão boêmia
— Não é tão presente né, minha filha, a ilusão da cachaça é uma desgraça
— Mas eu também gosto de um "Mé", meu senhor.
— Não condeno, Por quê é bom, eu que fui burro mesmo
— Como o senhor resumiria isso em verso

Levantei da cama sem poder, e até hoje ninguém vem me ver (nem longe é!), fui amigo só quando tive dinheiro, não é? Mas sorte que tive Dona Carola.

Fragmentos de Memória e MelodiaOnde histórias criam vida. Descubra agora