Eu me levanto e acompanho seus passos até a sala, separada por um vidro onde o vejo deitado em uma cama, do outro lado. Meu coração se dilacera.
— Ele sofreu um acidente por volta das oito horas. Fizemos uma checagem nos pontos onde ele foi atingido, e isso incluiu a cabeça dele.
Solto um suspiro, embora o peso maçante no meu peito não saia e, pelo contrário, só aumenta.
— Acidentes dessas proporções causam o que a medicina chama de amnésia traumática.
— O que você quer dizer com isso? — Pergunto, entrando em pânico novamente.
Seja lá o que isso quer dizer, a palavra não parece ser boa.
— A desaceleração ocorrida no momento da colisão fez com que o cérebro fosse jogado violentamente para frente e para trás e se chocasse com a parte óssea da cabeça. Nessas circunstâncias, a vítima pode sofrer alterações na coordenação motora, na fala e até no nível de consciência.
— E o que você quer dizer com isso? — Repito, com os olhos marejados.
Olho para ele de novo, sendo dominada pelo desespero.
— Quero dizer que ele atingiu um ponto cerebral. Ele não perdeu a fala ou qualquer coordenação motora... ele perdeu a memória. — Suas palavras ecoam na minha cabeça. — Foi a única forma...
— Ele o quê? — Susurro.
Meu sussurro sai rouco. É o momento em que tudo parece estar desabando ao seu redor.
"Caralho, você fodeu com o meu esquema, hein?!" Foi a primeira coisa que ele disse para mim, quando nos conhecemos...
"Calma, rosa." Foi a primeira vez que ele me chamou por esse apelido...
"Quer dançar?" Foi quando ele me chamou para dançar naquela festa desastrosa, no dia em que nos conhecemos...
"Qual é, rosa. Vai me dizer que o meu colo não é o melhor lugar para se dormir?" Foi quando eu acabei dormindo em seu colo, na primeira vez em que fui no seu apartamento...
"Rosa, é você?" Foi quando eu descobri que ele estudava na mesma escola que eu...
"Então vem cá, rosa." Foi quando ele me puxou para dormirmos agarradinhos na segunda vez em que fui para sua casa...
"Sai comigo?" Foi quando ele me chamou para o nosso primeiro encontro, nossa ele estava tão nervoso nesse dia...
"Sabe que eu preciso de você, né rosa?" Ele disse após a nossa primeira vez...
"Íntimo por quê caralho? Se eu te amo!" Foi quando ele me disse eu te amo pela primeira vez...
"Galera, essa aqui é a Ana, minha namorada." Foi quando ele me assumiu na sua live...
Todas as lembranças...tudo parece passar num filme. É o momento em que eu me sinto perdida, sendo quebrada pela dor e sufocada pelo desespero.
A única pessoa que eu amei profundamente. A única pessoa na qual eu desejei tanto, que me fez a garota mais feliz do mundo... está se indo bem na minha frente.
Ele é a minha salvação. Ele é a única pessoa que eu consegui enxergar na minha vida. Sinto como se uma faca estivesse cravada no meu peito.
Não consigo ouvir nada além de zumbidos no meu ouvido.
O mundo ao meu redor gira.
— Como assim? — Digo, em meio a soluços.
Fecho os olhos, buscando algum tipo de alívio, algum meio para me acordar desse sonho.
Prendo a respiração e sinto a dor se tornando mais forte, como um buraco que não para de crescer.
— Você está dizendo que... que ele não vai se lembrar de mais nada? De nada?
Não consigo parar de olhar para ele, não consigo imaginar que ele não vai mais se lembrar de mim, de nada da gente, de nada do que nosso amor significou...
Choro tanto que mal consigo respirar.
Eu jamais podia ter imaginado que a coisa ia chegar nesse ponto. Não posso acreditar por nem um segundo que isso tenha acontecido em tão pouco tempo.
E é isso que chamam de dor da perda. É incomparável com qualquer outra dor...é insuportável, um pânico gigante que se instala na gente por perder a pessoa que amamos. De desaparecer das lembranças dela.
E eu sei que se um dia eu me apaixonar de novo, será por ele.
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