Capítulo 11. A origem do medo

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Na pequena sala do bispo Barnabé, uma tensão silenciosa pairava no ar. As paredes eram cobertas de livros e arquivos antigos, vestígios de um passado preservado pelos que buscavam compreender as raízes da ordem atual. Elias, pai de Saulo, estava sentado ao lado de outros membros importantes da célula conservadora, enquanto Barnabé, com postura ereta e olhar perspicaz, observava atentamente cada um dos presentes. À mesa, encontravam-se também os conselheiros Josué, Esther e Filipe, unidos pela responsabilidade de proteger e guiar os valores conservacionistas.

Barnabé iniciou a reunião com um tom grave:

— Irmãos, como sabem, nossos recursos estão cada vez mais escassos. As últimas remessas de suprimentos foram menores que o esperado, e a NAVIM, mais uma vez, manteve uma justificativa vaga. — Ele fez uma pausa, observando o semblante preocupado dos demais. — É evidente que eles estão restringindo o fluxo e ocultando informações. A crise está mais próxima do que podemos conter.

Elias, com voz firme, mas carregada de preocupação, comentou:

— Temos notado esse comportamento há algum tempo, mas o impacto é cada vez mais profundo. Parece que a NAVIM, ou melhor, o próprio Conselho dos Nove, deseja controlar não apenas nossos recursos, mas também nossa unidade. Esse isolamento está se tornando insustentável.

— Será o apocalipse que sempre tememos? — indagou Esther, com o olhar sombrio. — Os sinais são claros para nós, e temo pelo que está por vir, especialmente para nossos jovens.

Barnabé inclinou-se ligeiramente, com uma expressão de pesar e entendimento. Era impossível ignorar seu passado: fora um dos maiores competidores dos Jogos, e essa experiência lhe dava uma visão singular.

— Os Jogos... Não são como antigamente, irmãos. Antes, eram uma celebração, uma competição honrosa entre as Células. Desde a instituição da Nova Ordem, há 184 anos, os Jogos se tornaram um símbolo da diversidade dos povos. Cada célula enviava seus melhores representantes para competir em desafios anuais, que duravam três dias consecutivos por semana, ao longo de um mês. Mas, desde que os Patronos tomaram o controle da NAVIM, algo mudou. A camaradagem foi substituída pela rivalidade extrema, e as recompensas, pelo poder sobre as outras Células.

Ele fez uma pausa, recordando suas próprias experiências.

— As batalhas ocorrem em arenas holográficas, onde os competidores vestem armaduras chamadas Camuy. Essas armaduras, conectadas neurologicamente ao corpo, aumentam habilidades físicas e mentais conforme a aptidão de cada um. As arenas, mesmo virtuais, são tão reais que os combates atingem níveis sobre-humanos.

Josué, intrigado, perguntou:

— Então, a arena é realmente uma extensão deles? Uma simulação, mas com consequências reais?

— Exato. A conexão neural transforma o corpo, a mente e a arena em uma só entidade. Para muitos, a pressão psicológica é insuportável. — Barnabé assentiu. — E não é só o combate. Os participantes são alocados na Nova Roma, o distrito central da colônia sagrada, onde estão as instalações principais da NAVIM.

Elias olhou para os demais, assimilando o peso das palavras do bispo, antes de questionar:

— E o Rancho? O que sabemos sobre aquele lugar?

Barnabé suspirou, como se aguardasse essa pergunta.

— O Rancho é um espaço onde competidores de várias células interagem. A NAVIM criou esse ambiente para fomentar rivalidades e tensões. Enquanto as disputas são transmitidas como entretenimento, essas interações incitam a competitividade e a vigilância entre todos. O reality show é controlado pelos agentes da NAVIM, e cada palavra e gesto é capturado por drones e câmeras.

Esther franziu o cenho, pensativa.

— E os Sagrados? Aqueles que vivem na Nova Roma e são considerados intocáveis?

— Os Sagrados, — disse Barnabé, em tom sombrio, — são membros da elite, as famílias ancestrais que moldaram a Nova Ordem. No topo da hierarquia, estão os Patronos: o Arquiteto, conhecido como o Messias, e dois líderes de identidade desconhecida, sempre ao seu lado. Abaixo deles, está a "Anata", composta por seis membros, cada um representando uma célula: Conservadores, Liberais, Laicos, Comunistas, Capitalistas e os próprios Sagrados.

— E o Fosso? — perguntou Filipe, intrigado. — Há rumores de que é algo sinistro.

Barnabé lançou-lhe um olhar afiado.

— O Fosso é uma instalação subterrânea, onde o controle da NAVIM é centralizado. Quando os competidores chegam à cidade-arena, é possível ver a redoma que cobre o Fosso. É do tamanho de uma cidade, acessível apenas aos agentes da NAVIM. Renegados, rebeldes e os que se voltam contra o sistema são levados para lá. Aqueles que entram, nunca retornam.

Os murmúrios entre os conselheiros aumentaram. A preocupação com a segurança e o futuro das Células era evidente. Filipe, em tom resoluto, encarou Barnabé.

— Esses Jogos não são mais uma celebração ou afirmação ideológica; são uma disputa para decidir qual visão de mundo prevalecerá. Algo sinistro está em curso. Se não nos prepararmos, estaremos indefesos nas mãos dos Nove.

Barnabé assentiu, pensativo.

— Precisamos nos preparar. Os Jogos podem ser o palco de algo maior. A própria NAVIM se alimenta da divisão entre as Células. Precisamos de alguém que unifique, que seja um elo.

Ele se lembrou das palavras que disse a Saulo. A esperança talvez residisse naqueles que ainda não haviam sido corrompidos pela brutalidade dos Jogos. Mas essa era uma aposta arriscada.

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