Débora acordou cedo, como de costume, no bairro humilde em que morava, localizado na periferia da cidade. As ruas eram sempre cheias de vida, com crianças brincando descalças, vendedores ambulantes oferecendo de tudo, desde frutas frescas até roupas de segunda mão. O cenário era marcado por casas simples, construídas de concreto e tijolos expostos, muitas delas com pinturas desgastadas pelo tempo. A comunidade, embora enfrentasse dificuldades, sempre mantinha um espírito de união e alegria.
Ela caminhava pelas ruas, cumprimentando vizinhos e amigos que já estavam na correria do dia. A vida no subúrbio não era fácil; havia falta de recursos, de segurança, e de oportunidades. Mas Débora sempre se destacava. Forte, determinada, e com uma energia que parecia nunca se esgotar. Nas horas vagas, quando não estava em treino ou cuidando das responsabilidades, gostava de se reunir com amigos em festas populares que animavam o bairro.
Naquela noite, em uma das festas mais aguardadas do mês, o clima estava especialmente animado. Música alta, as batidas de samba e funk ecoando pelas ruas enquanto pessoas dançavam, conversavam, e se divertiam sob as luzes coloridas improvisadas que iluminavam o evento. Débora estava com seu grupo de amigos, incluindo sua melhor amiga, Brenda. A noite prometia ser de pura diversão.
As risadas ecoavam, a dança fluía, e por um breve momento, Débora se sentiu leve, afastada das preocupações cotidianas. Porém, essa leveza foi interrompida quando uma briga começou a se formar no canto da festa. Gritos, xingamentos e empurrões surgiram rapidamente. Gangues locais estavam se enfrentando, e a tensão no ar aumentou num piscar de olhos.
Débora tentou afastar Brenda e os outros amigos da confusão, mas, no meio do caos, um dos membros de uma gangue sacou um canivete e acertou Brenda no braço, fazendo-a cair com o impacto. A visão do sangue fez o coração de Débora acelerar. Sem pensar duas vezes, ela entrou na briga para proteger a amiga. Com movimentos ágeis e precisos, derrubou um dos agressores com um chute certeiro no estômago. Outro se aproximava, mas, antes que ele conseguisse atacar, soldados da NAVIM invadiram o local, equipados com cassetetes e chicotes elétricos.
Em questão de minutos, os arruaceiros foram imobilizados e arrastados para as viaturas, mas os soldados mantinham uma frieza cortante. Brenda, ainda caída e ferida, foi ignorada. Para eles, ela era apenas mais uma vítima do caos cotidiano.
"Ela precisa de ajuda!" gritou Débora, enquanto segurava o braço ensanguentado da amiga. Mas os soldados sequer olhavam para ela. Desesperada, Débora decidiu agir por conta própria. Chamou um táxi e, com Brenda nos braços, seguiu para o hospital público mais próximo. O veículo ziguezagueava pelas ruas, enquanto ela tentava estancar o sangramento, falando palavras de conforto para a amiga que começava a perder os sentidos.
Ao chegarem no hospital, o cenário não era diferente do que esperava. A sala de espera estava lotada, com pessoas de todas as idades aguardando por atendimento, muitas em estado grave, gemendo de dor. Porém, os médicos e enfermeiros passavam sem pressa, mantendo uma indiferença desumana. Débora lutava para conseguir uma maca, um atendimento urgente, mas era sempre ignorada.
Enquanto esperava com Brenda em seus braços, um homem foi trazido rapidamente e passou na frente de todos. Ele estava claramente alcoolizado, mas, para Débora, isso não era o mais chocante. Aquele homem era uma personalidade política local, reconhecido por seu poder e influência. Os policiais que o acompanhavam tratavam o caso com descaso, e Débora logo soube que ele havia causado um acidente, atropelando várias pessoas. Mesmo assim, o homem foi rapidamente atendido e tratado com prioridade, enquanto as vítimas de seu acidente continuavam no corredor, sangrando e clamando por ajuda.
Débora observava tudo com uma mistura de incredulidade e raiva crescente. Ela ouviu sussurros entre os médicos e enfermeiros, falando sobre o tratamento especial que o homem estava recebendo, a troca de dinheiro pelas mãos deles, o silêncio comprado. O mesmo silêncio que custaria a vida de tantos ali.
Brenda, finalmente levada para uma sala de atendimento, parecia ter uma chance. Mas, enquanto Débora investigava os corredores do hospital, tentando processar tudo o que estava acontecendo, um médico a abordou com a notícia que a devastou. Brenda havia perdido muito sangue e não resistiu. A artéria atingida era grave, e o tempo perdido na espera havia selado seu destino.
As palavras do médico ecoaram na cabeça de Débora, mas, antes que ela pudesse reagir, sua atenção foi desviada. O homem que causara o acidente estava na recepção, rindo, com uma bebida nas mãos, cercado por médicos e policiais que riam junto com ele, como se nada tivesse acontecido. Dinheiro passava discretamente entre as mãos, e os sorrisos cúmplices dos presentes só aumentavam a raiva de Débora.
Com os olhos cheios de lágrimas e o coração transbordando de ódio, ela assistiu impotente enquanto o homem saía pela porta da frente, livre, impune, enquanto sua amiga jazia morta por conta de um sistema que não se importava com os comuns, que tratava a vida como uma moeda de troca. O sistema que ela conhecia há tanto tempo, mas agora via com toda a sua crueldade exposta.
Débora apertou os punhos, sua respiração pesada e irregular. Ali, no meio do hospital, cercada pelo cheiro de sangue e corrupção.
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Controle Celular
ПриключенияSinopse: Controle Celular Em um futuro próximo, o mundo foi devastado por uma Terceira Guerra Mundial causada pela corrupção, violência e a polarização política e ideológica. Após a grande explosão atômica de 2024, a humanidade foi dizimada, restand...