A nave cruzava os céus com um silêncio opressivo, rompido apenas pelo leve zumbido dos motores. Saulo estava sentado próximo à janela, mas não se importava em observar o interior metálico e ordenado da cabine. Seu olhar permanecia fixo no mundo lá fora.
Do alto, os distritos se revelavam como territórios distintos, quase como mundos separados pelas muralhas gigantescas que protegiam suas respectivas células. Os Liberais, com suas cidades iluminadas e estruturas modernas; os Capitalistas, dominados por fábricas e fumaça; os Sagrados, cujas torres brilhavam como faróis tecnológicos; os Laicos, rodeados por vastas florestas; os Comuns, com suas cidades baixas; e, por fim, os Conservadores, com suas paisagens austeras e organizadas, marcadas pela simplicidade rígida de uma vida devota.
A paisagem de sua célula parecia inabalável e imutável, mas, dentro de si, Saulo sentia tudo diferente. A lembrança dos participantes que ele havia visto ao deixar o Rancho ainda o perturbava: corpos pálidos, alguns em convulsão, outros vomitando ou desacordados. Ele não conseguia esquecer os gritos e os olhares vazios. A arena, com sua simulação tão real, havia testado não apenas suas habilidades, mas também seus limites emocionais e físicos.
"Isso não é apenas um jogo", pensou, encostando a cabeça na janela fria. "É um experimento... mas para quê?" Ele não sabia a resposta, mas tinha certeza de que cada etapa seria ainda mais cruel.
Quando a nave finalmente pousou, o ambiente frio e disciplinado da Célula dos Conservadores parecia um contraste gritante com o caos da arena. Saulo desceu e encontrou seu pai, Isaías, aguardando sozinho em frente à base local, um núcleo da NAVIM na célula.
As ruas estavam vazias, silenciosas como era de costume naquele horário. Os Conservadores não saíam à noite sem uma razão séria, fruto de uma conduta e cultura rigorosamente estabelecidas.
— Foi bem? — perguntou Isaías, em seu tom direto e firme, típico de um conservador tradicional, que sempre priorizava a fé e o dever.
— Foi... foi intenso — respondeu Saulo, hesitando por um momento.
Isaías apenas assentiu, sem demonstrar grandes emoções. Para ele, Saulo havia feito o que era esperado. Um tapinha no ombro foi o único gesto de aprovação antes de começarem a caminhar em direção à casa da família.
As ruas estavam desertas, exceto por alguns poucos transeuntes que os cumprimentavam com acenos discretos. Na cultura dos Conservadores, celebrações públicas eram raras, quase inexistentes. A glória era silenciosa, e o mérito, uma questão de obediência à disciplina e à fé.
Ao entrarem na casa, a atmosfera mudou. Marta, a mãe de Saulo, correu para abraçá-lo com um calor que contrastava com a frieza de Isaías.
— Meu filho! Graças a Deus você está bem! — disse ela, segurando o rosto dele entre as mãos e sorrindo com os olhos cheios de emoção. — Como foram as coisas?
— Foram desafiadoras, mãe. Mas eu consegui — respondeu ele, tentando passar tranquilidade, embora o peso do que havia vivido estivesse claramente estampado em seu semblante.
— Eu sabia que você conseguiria. Deus tem grandes planos para você, Saulo — disse ela, acariciando seu rosto.
Marta percebeu o cansaço no olhar do filho, mas não insistiu.
— Sua irmã Sofia estava ansiosa para te ver. Ficou te esperando no sofá, mas acabou dormindo — contou Marta, enquanto o guiava até a sala.
Sofia, de apenas sete anos, dormia encolhida no sofá, com um cobertor mal ajustado sobre o corpo pequeno. Saulo aproximou-se, ajoelhando-se ao lado dela. Com cuidado, pegou-a nos braços, sentindo o peso leve e o calor da menina.
— Ela estava muito animada para te ver, mas não aguentou esperar — disse Marta, acompanhando-o enquanto ele levava Sofia para o quarto.
Saulo colocou a irmã na cama, ajustou o cobertor sobre ela e inclinou-se para dar um beijo em sua testa.
— Dorme bem, pequenina — sussurrou, com um sorriso fraco.
De volta à cozinha, Marta interrompeu o silêncio com uma notícia inesperada:
— Seu pai conseguiu a vaga do bispo João no ministério.
Saulo ergueu os olhos, surpreso.
— Como isso aconteceu?
— Foi por causa da sua participação nos jogos. Disseram que isso trouxe prestígio para a nossa família. Seu pai não sabe como agradecer, mas tenho certeza de que está orgulhoso de você.
Saulo assentiu, mas não respondeu imediatamente. O peso das expectativas crescia cada vez mais. Não era apenas sobre ele; agora parecia que toda a honra da família estava atrelada ao seu desempenho.
Saulo assentiu, mas não respondeu imediatamente. O peso das expectativas crescia cada vez mais. Não era apenas sobre ele; agora parecia que toda a honra da família estava atrelada ao seu desempenho.
Naquela noite, em seu quarto, Saulo ficou sentado por um longo tempo olhando pela janela. O silêncio da célula contrastava com o caos da arena, mas o frio que sentia não vinha do ambiente lá fora. Ele se perguntou novamente para onde tudo aquilo os levaria. "Será que eu realmente estou preparado para o que está por vir?", pensou.
Do lado de fora, as muralhas que separavam os distritos pareciam maiores do que nunca, como um lembrete constante de que, embora eles vivessem sob o mesmo céu, seus mundos eram completamente diferentes.
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Controle Celular
AdventureSinopse: Controle Celular Em um futuro próximo, o mundo foi devastado por uma Terceira Guerra Mundial causada pela corrupção, violência e a polarização política e ideológica. Após a grande explosão atômica de 2024, a humanidade foi dizimada, restand...