Após a primeira etapa dos jogos da NAVIM, Saulo voltou a sua vida normal, sua rotina havia se tornado um ciclo implacável de estudos, treinamento e ansiedade. O colégio onde ele passava suas manhãs era uma instituição militarizada, voltada para a formação dos jovens da Célula Conservadora, como todos os outros colégios sob o controle da NAVIM. Aqueles entre 18 e 28 anos eram obrigados a participar do curso de treinamento, um programa exaustivo que preparava os jovens para os Jogos da Reconquista, onde cada um representaria sua célula, sua ideologia, e, para muitos, a esperança de mudar o destino de seus povos.
Saulo caminhava pelos corredores cinzentos e austeros do colégio, onde os instrutores observavam de perto os estudantes. As paredes eram adornadas com bandeiras e lemas da Célula Conservadora, reforçando constantemente o ideal de disciplina, fé e honra. Para muitos, como seu amigo Lucas, o treinamento era uma chance de se destacar, de brilhar aos olhos da NAVIM e das figuras de poder que regiam o mundo. Para Saulo, porém, a experiência era diferente.
Ele estava sentado em sua mesa, esperando o início da próxima aula de "Estratégia Militar e Ética", uma disciplina obrigatória no curso. O professor, um ex-combatente da Célula, começava a falar sobre a importância de ser fiel à sua ideologia nos jogos, mas os pensamentos de Saulo vagavam. O que significava realmente lutar por uma ideologia? E se, no fim, eles fossem apenas peões em um jogo maior?
Ao seu lado, Lucas, seu melhor amigo desde a infância, parecia mais animado do que nunca. "Cara, imagina só se formos chamados juntos, para os jogos!" Lucas dizia com um sorriso no rosto, os olhos brilhando de entusiasmo. "Se isso acontecer, eu vou me destacar. Vou dar o meu melhor e, quem sabe, a NAVIM me escolha para uma missão especial. Talvez até algo fora da Célula!"
Saulo sorriu, mas seu entusiasmo não correspondia ao de Lucas. Ele admirava a coragem e a ambição do amigo, mas não compartilhava o mesmo desejo de ser reconhecido pela NAVIM. Para ele, os jogos eram apenas mais um fardo a ser carregado, uma luta constante entre suas crenças e o que lhe era imposto.
"E você, Saulo? Já pensou no que vai fazer na próxima rodada?" Lucas perguntou, inclinando-se sobre a mesa, o rosto iluminado de excitação.
Saulo deu de ombros. "Vou fazer o que tem que ser feito, nada mais." Ele disse de maneira neutra, tentando não demonstrar o desconforto que sentia sempre que falavam dos jogos.
"Cara, você sempre diz isso! Você tem que ver isso como uma oportunidade. A NAVIM vai notar quem se destaca, e eu quero ser um dos que eles vão lembrar."
Saulo soltou uma leve risada. "Você já brilha mais que todo mundo, Lucas. Não precisa se preocupar com isso."
Do outro lado da sala, Sara, mantinha-se quieta. Ela era uma das que apenas participavam do treinamento porque não tinha escolha. O curso da NAVIM era obrigatório para todos, e a cada mês havia o chamado para os jogos. Quando esse momento chegava, o nome dos escolhidos ecoava pelos alto-falantes da escola, e os selecionados tinham que comparecer, sem direito a recusar.
Sara odiava tudo aquilo. O treinamento, os jogos, a ideia de ser usada como uma peça em um tabuleiro que ela não compreendia. Seus pais tinham sido trabalhadores simples, fiéis à Célula dos Conservadores, mas Sara sempre sentiu que estava presa em um mundo que não lhe pertencia. Ela não tinha o mesmo fervor que Lucas, nem a aceitação silenciosa de Saulo. Ela temia os jogos, o perigo, a pressão constante.
Durante o intervalo, os três amigos sentaram-se juntos para almoçar. Lucas, como sempre, falava animadamente sobre o próximo torneio. "Só imaginem, daqui a alguns anos, vamos ser os mais bem treinados da Célula! Não vejo a hora!"
"Nem todo mundo está tão empolgado quanto você, Lucas," Sara comentou, a voz tranquila, mas carregada de cansaço. "Esses jogos... eles não são uma escolha. Não podemos nos recusar. Você realmente acha que isso é uma honra?"
Lucas revirou os olhos. "Eu sei que é difícil, Sara, mas pensa no que isso pode significar para a nossa Célula. Para nós. Temos a chance de fazer algo grande."
"Ou de sermos destruídos no processo," respondeu Sara, a voz firme, mas baixa, como se não quisesse atrair a atenção de outros. Ela sabia que críticas diretas à NAVIM ou ao sistema de treinamento podiam ter consequências. "Eu só quero terminar isso e voltar para minha vida."
Saulo observava a conversa entre os amigos, dividido entre os extremos. Ele compreendia os medos de Sara, e também admirava o entusiasmo de Lucas. Mas, acima de tudo, o que mais pesava em sua mente era o papel que cada um deles teria que desempenhar naquele jogo maior do que suas próprias vidas.
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Controle Celular
AdventureSinopse: Controle Celular Em um futuro próximo, o mundo foi devastado por uma Terceira Guerra Mundial causada pela corrupção, violência e a polarização política e ideológica. Após a grande explosão atômica de 2024, a humanidade foi dizimada, restand...