Capítulo 49. O Preço do Tempo

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Victor se aproximou mais da varanda, sentindo a madeira sob seus pés enquanto seu avô continuava a balançar lentamente na cadeira. A serenidade de Ezequiel parecia intocada pelo tempo e pelo mundo lá fora, como se aquele lugar fosse imune à correria e ao desgaste da vida moderna. Victor respirou fundo, buscando palavras, mas algo o impedia. Talvez fosse o peso da sua própria angústia ou a presença silenciosa do avô, que parecia esperar pacientemente que ele se expressasse.

"Vô... e a vó?" Victor perguntou, sem saber como iniciar a conversa, sentindo-se um pouco deslocado por estar ali depois de tanto tempo.

O velho parou de balançar a cadeira por um momento e olhou para o horizonte, deixando que a fumaça do cachimbo escapasse lentamente de seus lábios. Havia uma tristeza calma em seu rosto, uma aceitação que Victor não estava preparado para ouvir.

"Ela se foi há cinco anos, Victor," disse Ezequiel, sua voz baixa, mas firme. "Partiu quieta, como sempre viveu, sem fazer alarde. Desde então, a casa tem estado vazia."

Victor ficou em silêncio, surpreso. Sentiu uma pontada de culpa atravessá-lo. Cinco anos... E ele sequer sabia. Seu olhar, que antes vagava pela paisagem bucólica, agora estava fixo no avô, que parecia ainda mais distante ao lhe contar essa verdade.

"Por que... por que ninguém me avisou?" Victor sussurrou, como se a pergunta fosse mais para si mesmo do que para o avô.

Ezequiel soltou um suspiro profundo, voltando a balançar lentamente na cadeira. "Você estava ocupado, assim como todos os outros. Seus pais, seus tios... todos tão perdidos nas coisas do mundo. Negócios, viagens, conquistas. Uma coisa depois da outra. A morte dela... passou como o vento. Leve, mas nem todos sentiram."

Victor abaixou a cabeça, a dor da perda misturada com a sensação de que ele também estava envolvido nessa corrida sem sentido. Seus pais, seus irmãos, todos presos na rotina, na incessante busca por mais e mais. Ele próprio, um prisioneiro de suas vitórias vazias.

"Eu... nem sabia que vocês estavam sozinhos aqui," admitiu Victor, a voz baixa, quase envergonhada.

O avô assentiu lentamente. "Você nunca mais voltou, Victor. Assim como os outros. Todos se afundaram na mesma pressa, nessa necessidade de ganhar tudo, menos o que realmente importa."

O silêncio entre eles era denso, quebrado apenas pelo som suave do vento nas árvores. Victor olhou para o chão de madeira, refletindo sobre o que ouvira. Ele sabia que o avô estava certo, que algo dentro dele havia se quebrado faz tempo, mas ele nunca teve coragem de encarar.

"Vô... por que a gente faz isso? Por que a gente corre tanto, sem perceber que estamos perdendo tudo no processo?" Victor perguntou, sua voz carregada de uma confusão que ele não conseguia mais ignorar.

O velho Ezequiel voltou a olhar para o horizonte, os olhos fixos em algo que Victor não conseguia ver. "Porque é assim que o mundo moderno te ensina, Victor. Ele te promete tudo - sucesso, poder, reconhecimento. Mas não te fala do custo. Ele te vicia nessa adrenalina de sempre querer mais, de buscar o próximo troféu, o próximo negócio. E, quando você percebe, já se foi o tempo. As coisas simples, a paz... tudo ficou para trás."

Victor sentiu um nó na garganta. "E como a gente escapa disso, vô? Como eu faço para sair desse ciclo?"

O velho deu um leve sorriso, como se a resposta fosse mais simples do que Victor imaginava. "Você tem que aprender a parar. A se desligar desse ruído. Quando você parar de buscar tanto fora, vai começar a encontrar dentro. As coisas que te trazem paz estão sempre aqui, ao seu redor. Mas você precisa abrir os olhos para vê-las."

Victor encarou o avô, uma dúvida súbita surgindo em sua mente. "E você, vô? Como consegue ver tudo isso? Como consegue enxergar tão bem, mesmo depois de tudo?"

O silêncio de Ezequiel foi longo desta vez. Ele parou de balançar e, com um gesto lento, apontou para seus próprios olhos. Victor percebeu algo que nunca havia notado antes: a profundidade opaca do olhar do avô, como se algo tivesse se apagado ali há muito tempo.

"Eu não enxergo mais com esses olhos, Victor," disse o avô calmamente. "Perdi a visão faz alguns anos. Mas, no final das contas, isso foi o que me libertou. Porque comecei a ver com os olhos do coração. Esses olhos me mostram o que os teus, e os de muitos outros, não conseguem mais ver."

Victor sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O avô estava cego, e ele nem sabia. E, ainda assim, enxergava mais do que qualquer um ao seu redor.

"O que você vê, vô?" Victor perguntou, a voz quase em um sussurro.

Ezequiel sorriu de leve, um sorriso sábio e cheio de calma. "Eu vejo a beleza da vida simples. Vejo a paz que vem quando você deixa de buscar fora e começa a encontrar dentro. Vejo que o verdadeiro valor das coisas não está no que você conquista, mas no que você sente e no que compartilha com os outros. E vejo que você, Victor, está se afundando na mesma ilusão que tomou todos os outros. Você ganhou tudo, mas perdeu a si mesmo."

Victor sentiu as palavras atingirem seu coração como uma flecha. Ele sabia que o avô estava certo. Ele havia se perdido em sua busca incessante por sucesso e reconhecimento, mas nunca encontrara a paz que realmente buscava.

"Então, o que eu faço agora, vô?" Victor perguntou, sentindo a vulnerabilidade tomar conta de si.

Ezequiel se levantou devagar, apoiando-se na bengala. "Você começa a viver, Victor. Não para o mundo, não para as conquistas, mas para você mesmo. Aprende a parar, a sentir, a ver além do que te dizem que é importante. Só assim você vai encontrar a verdadeira felicidade."

Victor olhou para o avô, o homem que havia perdido a visão, mas que, de alguma forma, via o mundo com uma clareza que ele jamais tivera. Naquele momento, ele soube que a lição do avô era a mais valiosa de todas as que ele já havia recebido.

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