Victor sempre foi reconhecido como um prodígio. Desde cedo, sua mente parecia operar em uma frequência diferente, com uma capacidade extraordinária para resolver equações complexas, desenvolver estratégias imbatíveis e entender a linguagem da tecnologia com uma fluidez que deixava seus colegas e professores impressionados. Participar de campeonatos de raciocínio lógico, inteligência artificial e estratégias de programação tornou-se parte da sua rotina. Ele acumulava prêmios, medalhas e títulos que reforçavam a sua imagem pública como um gênio indiscutível.
Nos eventos, a mídia o tratava como uma celebridade. Repórteres e intelectuais o cercavam, ávidos por suas palavras, suas opiniões sobre o futuro da tecnologia e da sociedade. Ele era exaltado por sua genialidade, e esperavam sempre mais dele. A sociedade o colocava em um pedestal, e Victor, em silêncio, cumpria o papel que todos pareciam exigir. Mas, para ele, cada troféu se tornava mais vazio do que o anterior. A cada prêmio, algo dentro dele se distanciava, uma desconexão crescente com o mundo ao seu redor.
No retorno ao seu apartamento luxuoso no centro da cidade, a solidão o aguardava. Era um grande espaço, frio, minimalista, onde tudo parecia ter sido projetado para mostrar sucesso, mas nada tinha significado pessoal. O apartamento ecoava o vazio que ele sentia dentro de si. Seus pais, sempre viajando por conta do ramo imobiliário e turístico, nunca estavam presentes. Sua mãe, uma socialite, era uma figura distante que vivia para manter as aparências. Seus quatro irmãos, criados por babás, raramente o viam. Para Victor, o apartamento era uma prisão de sucesso, uma vitrine de tudo o que ele havia conquistado, mas que não tinha valor real para ele.
A solidão, que antes ele podia ignorar em meio aos aplausos, agora pesava mais que nunca. Ele não tinha para quem ligar, ninguém que realmente entendesse sua angústia. Tudo parecia uma performance, uma tentativa de provar algo que ele mesmo nunca havia se cobrado, mas que o mundo exigia. Sentia-se uma peça em um jogo complexo, manipulada pelos dogmas de uma sociedade que o via apenas como uma máquina de conquistas.
Foi nesse momento de vazio que algo dentro dele quebrou. Ele abriu o laptop e, sem pensar muito, comprou uma passagem para um lugar que ele não visitava desde que era criança: a fazenda de seus avós, localizada em uma região montanhosa, fria e isolada. Era uma fuga para um cenário completamente diferente do seu cotidiano. Lembrava vagamente da última vez que estivera lá, ainda criança, acompanhado dos pais em uma rara viagem em família. Agora, aquela casa rústica no meio da natureza lhe parecia o único lugar que poderia oferecer algum alívio à angústia que sentia.
A cena corta. Agora, Victor sai de um carro preto, seus óculos escuros escondendo os olhos cansados da exposição midiática. Ao seu redor, a paisagem era serena e completamente diferente das luzes artificiais e dos sons eletrônicos da cidade. Árvores altas, montanhas ao longe, vegetação verdejante e o som dos animais do campo o cercavam. Havia uma pequena ponte de madeira que passava por cima de um lago onde patos nadavam e peixes saltavam ocasionalmente. A beleza natural o fazia respirar mais profundamente, como se o ar puro trouxesse um alívio imediato.
Ele dispensou o motorista na entrada da propriedade e, com a mala em mãos, começou a atravessar o sítio a pé. O caminho de terra o levava até a casa rústica no topo da colina. As lembranças de infância voltavam, cada passo o conectando com um tempo mais simples, antes de tudo ter se tornado tão complexo. De longe, ele avistou uma figura sentada no alpendre. O homem estava em uma cadeira de balanço, fumando calmamente um cachimbo. À medida que Victor se aproximava, reconheceu a postura relaxada, o olhar atento e o semblante sereno de seu avô, Ezequiel.
Ezequiel continuava a se balançar devagar, os olhos acompanhando o movimento das árvores ao redor, o som suave do vento preenchendo o silêncio. Quando Victor chegou mais perto, o velho finalmente o notou, mas não disse nada de imediato. Apenas soltou uma longa baforada de fumaça do cachimbo, os olhos opacos sobre o neto, como se enxergasse algo alem do natural. Como se pudesse ver o que ele trazia dentro da alma.
"Você voltou, garoto," disse Ezequiel, sua voz grave e rouca, com um leve sorriso nos lábios. "Achei que nunca mais te veria por aqui."
Victor tirou os óculos escuros, revelando um olhar cansado, mas aliviado. Ele sentiu o peso da expectativa, da solidão, da desconexão, tudo se dissipar um pouco naquele momento. A presença do avô era como um lembrete de que nem tudo na vida era calculado, previsível, ou demandado pela sociedade.
“Precisei de um tempo, vô. Precisei me encontrar de novo,” respondeu Victor, sentindo que, finalmente, estava em um lugar onde não precisava provar nada a ninguém.
Ezequiel assentiu, como se entendesse perfeitamente. "Aqui, você pode ser quem você quiser, Victor. Quem você precisa ser. Só você e o mundo. Nada mais."
Enquanto o vento frio soprava suavemente, Victor sentiu que, talvez, naquele pedaço de terra esquecido pelo tempo, ele pudesse finalmente se reconectar com algo maior e mais importante: ele mesmo.
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Controle Celular
MaceraSinopse: Controle Celular Em um futuro próximo, o mundo foi devastado por uma Terceira Guerra Mundial causada pela corrupção, violência e a polarização política e ideológica. Após a grande explosão atômica de 2024, a humanidade foi dizimada, restand...