Capítulo 12. O dia D"

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A sirene ecoou pelo distrito, um som grave e contínuo que se misturava ao sussurro dos ventos frios que varriam as ruas desertas. Saulo já sabia o que aquilo significava. Era o som que todos no Distrito aprendiam a temer desde a infância — um chamado inevitável, embora ninguém desejasse de verdade ouvi-lo.

Naquele dia, o céu estava tingido de um cinza metálico, refletindo o clima pesado que pairava sobre os blocos de concreto e ferro que dominavam a cidade. Ali, a vida seguia sem distrações, prática e funcional, sem espaço para excessos. Todos cumpriam suas tarefas com precisão, sob as diretrizes da IA e da NAVIM. Mas, por trás dessa fachada organizada, o temor era real, um fardo que crescia com o passar do tempo. Eventualmente, os jogos chegariam até eles, e agora… havia chegado a vez de Saulo.

Ele olhou para o relógio digital em seu pulso, sentindo o peso da responsabilidade prestes a se abater sobre ele. Desde o anúncio da NAVIM, todos sabiam que a luta seria feroz, que um distrito inteiro poderia ser obliterado, enquanto o vencedor teria o direito de refazer o mundo. Essa disputa não era apenas física; era uma guerra de ideologias, e a arena seria o palco onde essas visões se confrontariam.

Saulo ajustou seu uniforme simples e saiu do quarto austero. Atravessando a pequena sala, sua mente estava repleta de memórias do longo treinamento. No Distrito dos Conservadores, a seleção dos guerreiros era rigorosa, baseada em atributos físicos, mentais e, acima de tudo, na lealdade. Ele representava o pragmatismo, a eficiência e a ordem que o distrito tanto prezava. Contudo, um nervosismo estranho se instalava em seu peito. Sabia que a arena não seria só uma questão de força; seria uma batalha pela mente, pela estratégia e, muitas vezes, pela sorte.

Ao sair para a rua, uma brisa gélida o atingiu. Ele percebeu o silêncio das pessoas que o observavam. Alguns olhavam com esperança, enquanto outros carregavam nos olhos a incerteza de quem já não confiava na procedência dos jogos. Saulo era agora um símbolo, o guerreiro que poderia garantir o futuro de sua comunidade.

"Saulo!" Uma voz o chamou, e ele se virou, encontrando Sara, sua amiga de infância, correndo em sua direção. Atrás dela vinham Lucas, Mateus, Miriam e os gêmeos João e Maria, todos com expressões ansiosas. Sara o alcançou primeiro, abraçando-o com força.

— Então, é hoje o dia!

Ele assentiu, com um olhar silencioso que dispensava palavras. O grupo se aproximou, formando um círculo ao seu redor. Maria o fitou com um olhar de preocupação. Lucas, sempre mais otimista, tentou sorrir, mas o sorriso tremulou.

— Saulo, você é o mais forte entre nós — disse ele, com um tom que buscava confiar. — Se alguém pode vencer, é você.

Mateus deu um tapinha em seu ombro, tentando disfarçar a tensão que o apertava.

— Não vamos nos despedir, cara. Você vai voltar logo. São só três dias e você volta pra casa, descansa para a próxima semana, isso se for escolhido novamente.

— Estão falando que agora os participantes vão ser alternados, e que os times podem ser alterados a cada semana — disse Maria, com um olhar de medo e incerteza.

— Sim! Eu também ouvi isso no centro de treinamento, entre os instrutores — respondeu Lucas, com a esperança de que sua confiança contagiasse os outros. — Talvez seja essa a oportunidade de nós participarmos juntos nos próximos desafios. Afinal… é para isso que estamos treinando, não é?

Nem todos compartilhavam do mesmo entusiasmo em relação aos jogos.

— Esses desafios estão cada vez mais perigosos, e a credibilidade dos jogos, cada vez mais questionável — disse Sara, com a voz baixa, mais preocupada que nunca.

Os amigos o abraçaram em um último adeus coletivo. Havia algo de precioso naquele momento, uma lembrança que ele se agarraria nos dias mais sombrios.

Saulo se afastou, mas antes de seguir, seus pais, Elias e Marta, vieram ao seu encontro, trazendo consigo sua irmã Sofia. Marta o abraçou demoradamente, apertando-o com força.

— Saulo... meu filho, lembre-se de quem você é. Estamos com você, em pensamento e em oração.

Sofia puxou a alça de sua mochila, tentando esconder as lágrimas.

— Volta logo, Saulo. Promete?

Ele se agachou, passando a mão no cabelo da irmã.

— Prometo, Sofia. E quando eu voltar, a gente vai fazer aquele passeio no parque. Fica bem.

Elias, seu pai, colocou a mão em seu ombro. Era um gesto firme, mas que escondia um temor profundo.

— Você foi preparado para isso. Eu acredito em você, filho. E eu sei que, não importa o que aconteça lá dentro, você vai honrar o nosso lar.

Quando o chamado final soou, Saulo deu um último olhar àqueles que amava e, com um aceno, atravessou as grades, escoltado por agentes da NAVIM, indo em direção à base central do distrito, onde os preparativos para os jogos eram finalizados.

Na base oficial da NAVIM, no Distrito dos Conservadores, Saulo ajustou seu traje de treino ao lado dos outros escolhidos de sua célula. Foi conduzido à sala de armamento, onde os guerreiros receberam suas armaduras tecnológicas — os camuy. Cada uma ajustada ao perfil de seu usuário, projetadas para potencializar suas habilidades naturais.

— Essas armaduras não são apenas ferramentas — explicou a instrutora Ester. — Elas são extensões de vocês. Aprendam a usá-las, ou a arena não terá piedade.

Saulo olhou para sua armadura prateada e aerodinâmica, onde pequenas luzes azuis pulsavam em seu pulso e peito. Sentiu a energia fluir quando a vestiu. O camuy se moldou ao seu corpo como uma segunda pele: leve, mas imbuída de um poder quase sobrenatural. O visor interno projetava informações que ele ainda tentava assimilar.

— Ester está certa — continuou outro instrutor, com um tom severo. — Vocês entrarão em arenas que desafiarão não só sua força, mas também sua mente e resistência emocional. Estudem cada informação e cada ferramenta.

Saulo fixou o olhar na armadura, ajustando-a ao corpo, sentindo que aquela luta seria mais do que física — seria uma batalha por tudo o que ele acreditava.

Enquanto ele se preparava, sabia que o momento na arena se aproximava. A luta por sua célula começaria em breve.

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