CAPÍTULO 17

79 23 3
                                    




Tomás entrou no banheiro ainda pensando no pesadelo que se tornara a sua vida.

Como pudera se enganar tanto com uma pessoa? Ele havia se apegado tanto a Patrícia...mas agora queria distância de Letícia! Dois nomes...a mesma mulher...duas personalidades diferentes.

Ele olhou-se no espelho. Estava um lixo abatido daquele jeito. Talvez fosse como nos filmes de terror e a cada vez que ele a incorporava, lhe fosse sugado algum tempo de vida, pensou.

Saulo tinha  ido atender alguém no portão e Tomás esperava que não fosse visita...muito menos queria que ele e Estela tivessem que fugir pelo portão dos fundos novamente. 

Agora ele era aquilo...um sequestrado e, às vezes, também um fugitivo... Acima de tudo, ele era um médium que não havia sido consultado a respeito dele incorporar um espírito que certamente ele não autorizaria fazer o que estava fazendo com ele. 

Enquanto olhava-se no espelho tentando se reconhecer, Tomás viu uma mancha no azulejo ao lado da pia. Mais atentamente, ele percebeu que os azulejos estavam todos manchados...os rejuntes estavam escurecidos, o que indicava a presença de mofo ali.

O balconista do Bar do Jordão, famoso por manter o banheiro do bar sempre limpo, mecanicamente saiu à caça de algum produto de limpeza para fazer alguma coisa, antes que enlouquecesse. Precisava se distrair...precisava desviar a atenção de algo para o qual ele não via solução, senão se conformar. 

Saulo havia lhe emprestado algumas roupas, mas como o dono da casa era mais alto e mais forte, as roupas ficaram enormes, obviamente. 

Tomás não pensou duas vezes antes de se livrar daquela calça que estava caindo em seu corpo  e, por isso, ficou vestido  apenas com a camisa de Saulo.

Faxinar o banheiro  lhe faria bem e realmente aquele lugar estava precisando. O rapaz ficou tentando pensar se havia uma faxineira incompetente  que ia de tempos em tempos para limpar a casa, ou se o seu sequestrador havia acreditado que a tal Priscila daria conta do recado...o que importava era que  aquilo ali estava imundo e ele começou a fazer a limpeza.

Era difícil se descobrir capaz de fazer coisas das quais não se tinha controle e, pior ainda, não se tinha conhecimento depois...Ele realmente não se lembrava de nada que havia feito depois que saiu da casa de Saulo! Por onde havia andado...com quem havia conversado...nada! 

Estela veio, sentiu aquele cheiro de produto de limpeza, não gostou  e saiu, provavelmente para o quintal.

Havia cotonetes no armário do banheiro e ele os usaria para fazer a limpeza...Não se importou em sentar-se no chão a fim de limpar cada cantinho daquele lugar. Com sorte, deixaria de pensar em tudo que o atormentava, como acontecia nas faxinas no Bar do Jordão. 

Era difícil não ficar sensível com tudo aquilo que estava acontecendo...Primeiro havia perdido a família...depois aquele que ele havia julgado ser a sua segunda família também o havia decepcionado...Seria bom poder conversar com dona Gelta agora. Ela era espírita, ela entenderia o que estava acontecendo e, quem sabe, até saberia como mandar Letícia embora.

Ele não era de guardar rancor, mas não tinha como perdoar os seus antigos amigos ainda, pois o trauma  era muito recente. 

Tomás arrepiou-se ao imaginar-se em cima do palco dançando e sendo descoberto pelos caminhoneiros que se julgariam traídos, enganados, sendo feitos de bobo!

Será que Jordão acreditava mesmo que tinha controle sobre todos aqueles homens? Muitos eram rudes, brutos...muitos eram homofóbicos também. Respeitarem o funcionário gay do Bar do Jordão era uma coisa...outra era aceitar ser enganado por esse mesmo gay.

SEM SAÍDA-Armando Scoth Lee-romance gayOnde histórias criam vida. Descubra agora