Capítulo 2 - Olhares

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Na semana seguinte, como era de se esperar, não vi o garoto das bochechas rosadas novamente. Ás vezes me perguntava se o que vi tinha sido uma espécie de miragem, ou algo do tipo. Ele era perfeito, e tinha olhado para mim. Não dava para acreditar. Não é como se eu tivesse ficado pensando nele, mas todas as vezes que eu saia na rua para minhas caminhadas de entrega de documentos, me pegava procurando por ele. Até pensei em ir nas autoescolas, talvez eu descobrisse alguma coisa, mas a ideia era tão ridícula que até mesmo eu ria com a possibilidade. Eu tinha que me conformar. Então, decidi meter a cara no trabalho. Como eu estava de férias da escola, nem tinha como conversar com minhas amigas sobre isso, pois apesar de eu ter um celular nem eu nem elas tínhamos créditos. Não sei nem porque nos demos ao trabalho de comprar um celular, pois para nós sempre foi um mero acessório. O fato de meu irmão mais novo ter voltado antecipadamente das férias da casa da minha vó, também foi algo bom, pois ele me distraia a noite, quando eu chegava do trabalho. Me distraia com nossas brigas, pois apesar de ele ter apenas oito anos, conseguíamos brigar de igual pra igual. Sua obsessão pelo meu quarto e por bagunçar minhas coisas me deixava enfurecida. O que parecia divertir ele, me deixando ainda mais furiosa.

Por fim, havia chego o sábado. O dia da semana que eu mais gostava por poder ficar em casa, fazer uma boa faxina (sim, isso é estranho, mas eu gosto de fazer faxina) e ir à feira. Se minha mãe estivesse de bom humor eu poderia até ir na casa de alguma amiga a tarde. Mas, por algum problema de última hora, minha tia resolveu escalar alguns funcionários para trabalhar até as 16:00 no sábado. Si não recebeu muito bem essa notícia.

- Depilação, manicure, sobrancelha, cabelereira... Tudo cancelado – ela diz dramaticamente assim que chega a sua mesa e joga sua grande bolsa amarela no armário.

- Você realmente precisa fazer tudo isso, todos os sábados? – pergunto, olhando para minhas unhas pintadas de preto com esmalte comidos, as pontas duplas do meu cabelo sem graça e mediano... E quanto a depilação. Bom, não imagino meus pelos de lá debaixo sendo arrancados drasticamente. Como se lesse meus pensamentos, Si logo rebate.

- Querida, você ainda é tão nova e doce, não conhece a real faceta dos homens. Agora, você não se importa com essas coisas, mas quando ver seu namorado olhar com desejo para a droga de uma modelo que passa horas sendo montada num salão todo dia, você vai entender, que fazer essas coisas é mais que uma necessidade.

Me limito a sorrir compreensivamente para Si. Eu já ouvi essa história mil vezes. Sobre um namorado que ela realmente gostava, que a traiu com uma modelo que veio fazer uma campanha, e enfim... Foi assim que ela desenvolveu essa "coisa" de ter que estar sempre impecável. Espero nunca passar por isso. E espero ainda mais nunca ter que pisar num salão para agradar alguém além de mim. O dia passa em câmera lenta, á tarde consigo dar uma escapulida e comprar um pedaço de bolo para mim e Si. Apesar dessa neura com aparência, ela tem seus quilinhos á mais, o que não a incomoda. Ás 15:58 Si se levanta e anuncia que vai embora.

- Sabe, ainda dá tempo de ir na depiladora – ela anuncia, feliz. Faço uma careta. – Lindinha, você ainda vai ver que isso é realmente preciso.

Então, ela sai rebolando sobre seus saltos de sei lá, 13 cm e me joga um beijo. Suspiro, pego minha bolsa que causa repulsa em Si por ser de pano, dou um aceno para as outras duas garotas que trabalham no andar de cima e saio, me arrastando com meu par de all-star roxo. Talvez eu deva comprar umas sapatilhas, só para variar. Tenho apenas tênis, e como diz Si, meninos não gostam de meninas que se vestem como eles. Vou para o ponto de ônibus, em parte feliz por estar indo para casa, em parte triste pelos ônibus serem o triplo de lotados no sábado. Porém, quando estou chegando estaco no chão e sinto o bolo que comi revirando em meu estomago. O garoto. Está ali. Seu cabelo está curto agora, e ele ficou ainda mais lindo, como se isso fosse possível. Consigo ver graças a ausência de seu cabelo grande, que ele tem alargadores enormes nas orelhas, e reprimo uma risada pensando no que minha mãe acharia disso. Vejo ainda uma tatuagem subindo pela lateral de seu pescoço. Deus, ele deve ser muito "bad boy" mesmo. O que eu adoro. Suas bochechas estão rosadas, acho que são naturalmente assim. Ele está de lado, em pé, conversando com uma garota. Ele é magro, usa roupas largas, ele é muito sexy, mas que droga. Será que a garota é namorada dele? Percebo que eu conheço a garota de algum lugar. Claro, ela é vendedora daquela loja maneira onde eu compro meus tênis. E ela é bem bonita. E tem estilo. Fico observando os dois, eles estão a uma certa distância um do outro. Não, ela não deve ser a namorada dele. Um ônibus chega, ela acena, sorrindo e entra no ônibus. Bem, ela pode não ser namorada dele, mas definitivamente sente algo a mais por ele. Então eu percebo que eu também terei que ir para o ponto, pois meu ônibus chegara a qualquer momento. E para isso terei que passar ao lado dele. Me forço a andar, e torço para passar despercebida por ele. Quero que ele me veja, mas ao mesmo tempo não quero. Céus, como alguém pode deixar alguém tão fora de si, sem estar fazendo nada a não ser parado esperando um ônibus? E bem quando estou chegando bem perto dele, seus olhos me encontram. Fico petrificada. Ele me olha de uma maneira tão intensa. Mais alguns passos, eu ficaria ao lado dele. Percebo que seus olhos são esverdeados, e me sinto momentaneamente perdida por aquele misto de cores. Ele sorri para mim. Eu consigo sorrir para ele dessa vez, exibindo meus dentes metálicos. É se já não bastasse toda minha falta de boa aparência, eu ainda uso aparelho. Ambos permanecemos sem se aproximar. Algo na minha cabeça começa a disparar como um alarme – encrenca, encrenca, encrenca – e eu sei que isto deve ser verdade.

- Oi morena – ele diz, sua voz rouca elevada para encobrir a distância entre nós. Então, ao que parece ele se lembra de mim. Minha boca fica seca e eu não consigo responde-lo. Me sinto sendo despida pelo seu olhar e a sensação além de boa, é apavorante. Faço então, a única coisa que me vem a mente. Dou meia volta e quase corro para longe dele. Sem resistir, dou uma olhada para trás. Ele ainda me olha, confuso, como se estivesse decidindo entre ir atrás de mim, ou deixar para lá, como seu eu fosse louca. Continuo andando, e entro no supermercado. Pego uma cesta e começo a percorrer os corredores atacoados de gente. Pego coisas aleatoriamente. Percebo que minhas mãos estão tremendo. É como se o olhar daquele garoto tivesse me corroído de alguma forma. Após ficar um tempo no mercado, devolvo as coisas em seus devidos lugares e saio de mãos vazias em direção ao ponto de ônibus mais uma vez. Ele não está mais lá. E apesar de me sentir aliviada por isso, sinto um vazio que me surpreende. Percebo que nunca senti algo assim por algum garoto. Não sou uma santa, já até beijei alguns garotos da minha escola. Certo, foi apenas um. Mas não importam os números eu nunca senti isso. Eu sei que se eu me envolver com esse garoto, estarei perdida. Ele é totalmente diferente de mim, mas por algum motivo ele se interessou por mim. Devo correr, ou entrar de cabeça nessa? Olho para o céu, esperando que algo aconteça, não sei, algum sinal. Nada acontece. Mesmo assim algo dentro de mim, me impulsiona numa decisão. Eu vou atrás desse garoto. Mesmo que isso implique ter o coração quebrado em milhares de pedacinhos, e eu tenha que passar o resto da vida tentando juntar os pedaços. Eu não tinha como saber que isso realmente poderia acontecer, mais cedo do que eu imaginava.

Esta não é uma história de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora