Capítulo 4

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Com o passar do tempo, comecei a receber livros e cartas mais longas.

Eu entendia ser estranho receber coisas de um ser que eu não enxergava, mas a minha necessidade por comunicação e aprovação, impediam-me de questionar o que estava acontecendo.

***

Um tempo mais a frente, recebi a carta que mudaria completamente a minha vida.

Até hoje me lembro de cada palavra, da espessura do papel, e do formato curvado da sua caligrafia. Se eu me concentrar bem naquele momento, ainda consigo sentir o frio na barriga que me deu ao ler pela primeira vez.

 Se eu me concentrar bem naquele momento, ainda consigo sentir o frio na barriga que me deu ao ler pela primeira vez

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Eu havia lido por anos sobre essa suposta liberdade, e de fato havia ansiado por ela. Mas naquele instante, lendo o que poderia ser meu futuro, ainda parecia distante demais.

Pensando em cada palavra daquele papel velho, eu guardei-o de volta na caixa, e sentei-me no chão, próxima à vela. Fitando a sua chama, eu me perdi em meus próprios pensamentos, mas logo fui arrancada de volta por um barulho na porta.

O frio na barriga veio de imediato, acompanhado pela esperança de que fosse Blayde querendo brincar, mas infelizmente, era Kate.

Eu não a via há muitos meses, por isso a sua aparência me assustou.

Os seus cabelos estavam curtos e ralos, e seu loiro dourado, dera lugar a uma tonalidade cinza que a deixava com a aparência muito mais velha. Ela estava absurdamente magra, com a boca seca e rachada. Os seus olhos azuis mergulhavam num ódio tão profundo, que se destacavam do resto. Ela vestia roupas folgadas e sujas, e tinha uma barra de ferro na mão.

Permaneci onde estava, vendo a sua aproximação lenta. Nem por um segundo ela desviou do meu olhar, e nem por um segundo, deixei de temer o dela.

— Quero a minha vida de volta, demônio imundo! — Recebi uma pancada no rosto, e com o impacto, caí no chão.

Eu conseguia sentir perfeitamente a região onde ela havia acertado, mas ainda assim, não havia dor.

— Maldito o dia que eu não me matei! — Outro golpe. — Se o inferno era meu destino, preferia que não fosse com você! Maldição!

Ela seguiu, me atacando com cada vez mais veracidade, e eu apenas recebi sem relutar ou tentar defender-me.

Não chorei ou emiti qualquer som, apenas assisti à mulher que deveria me amar, tentar matar-me diretamente.

Entre os seus gritos e pancadas, Blayde - agora grande e muito mais esbelto - adentrou o porão também. Ele rosnava e choramingava para Kate.

— Saia você também! — Ela gritou, acertando-o com a barra.

Assim que o seu corpo tocou o chão, e o seu choro ecoou pelo ambiente, me levantei abruptamente e arranquei a barra das suas mãos.

— Saia de perto de mim! — Ouvi com clareza a minha voz pela primeira vez em treze anos.

Eu mesma havia me assustado com o tom, mas não tanto quanto Kate, que saiu correndo para o andar superior, tropeçando e caindo entre os degraus.

Após ouvir o som que indicava que ela já havia me trancado, me aproximei de Blayde, agora quietinho e com uma ferida na cabeça.

O segurei e acariciei o seu corpinho na intenção de dar-lhe conforto. O seu choro foi ficando cada vez mais baixo, e o seu olhar cada vez mais distante, até enfim, olhar para a morte.

Pela primeira vez chorei.

Agarrada no seu corpo, tive a estranha sensação de lágrimas escorrendo por meu rosto, e pousando no seu pelo macio.

Chorei até sentir os meus olhos ardendo e o peito doendo.

A vela se apagou, e quando voltou a acender, estava estranhamente posicionada ao lado da caixa. Ainda com a vista embaraçada por tantas lágrimas, arrastei-me até ela. Puxei a carta do seu interior, e notei que agora havia uma pequena lâmina também.

Sem pensar duas vezes, fiz um rasgo no pulso, e escrevi com sangue no verso do papel: VENHA.


Continua...

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