Capítulo 6

5.1K 378 27
                                    

Parecia que o meu coração estava tentando fugir do meu corpo, e o silêncio que havia se instalado só me deixava mais angustiada.

Por fim, levantei-me e tentei abrir a portinha, mas como o esperado, ela estava trancada. Sentei-me novamente no chão e gritei por Kate. Nenhuma resposta.

"O grito foi parte do sonho, tudo está bem." — Eu repetia para mim mesma, mas, no fundo, eu sabia que algo terrível havia acontecido, ou ainda estava acontecendo.

Quando consegui acalmar-me um pouco mais, a portinha se abriu sozinha (eu nunca havia notado como ela fazia um ruído amedrontador).

Levantei-me, e fui na sua direção a medida que o meu coração voltava a disparar. Receosa comecei a subir as escadas, me assustando a cada ruído que a madeira velha e gasta produzia.

Saí no cômodo que reconheci como a cozinha, passei por uma sala de estar e subi as escadas. Chegando ao andar superior, deparei-me com um corredor com três portas.

Não precisei procurar em cada uma delas, pois havia uma pequena dica sobre o paradeiro de Kate.

Uma das portas estava com a maçaneta suja de um sangue que pingava suavemente no piso de madeira.

O meu corpo todo estremeceu quando a girei e senti o líquido vermelho entrar em contato com a minha pele.

Ao abri-la, vi estar no quarto da minha mãe.

As cortinas estavam fechadas, a cama estava bagunçada e cheia de roupas sujas, uma pequena mesinha continha comidas velhas e podres, e havia também uma cadeira de balanço em um dos cantos.

A cadeira estava de costas para mim, e havia um rastro de sangue que levava a ela, alguém parecia repousar ali. Me aproximei, notando ela se balançar para a frente e para trás.

— Mãe? — Sussurrei.

A cadeira ficou imóvel outra vez, e quando eu estava a uma distância consideravelmente próxima, ela caiu de costas, revelando "aquilo".

Kate, agora espalhada pelo chão, olhava-me de ponta a cabeça. Bem, ela olharia se os seus olhos estivessem ali.

A sua boca estava congelada num grito, e no peito, havia um buraco, revelando o vazio ensanguentado onde devia estar o seu coração.

O pânico e a adrenalina consumiram-me, e desesperadamente corri em direção à porta, mas ela fechou-se, revelando um bilhete perverso:

"Esse é o preço da sua liberdade!"

As palavras estavam escritas por um sangue tão fresco, que ainda escorria.

Não ousei aproximar-me da porta, por isso fui em direção à janela e a escancarei, me deparando com um céu escuro e nebuloso.

Avaliei a altura em que estava, e tento certeza que não conseguiria coragem suficiente para pular, recebi um pequeno incentivo.

Ouvi um som esponjoso em contato com o chão, e olhando para trás novamente, vi a fumaça do meu sonho, segurando um daqueles belos olhos azuis de mamãe, enquanto o outro saltitava no chão.

Pulei da janela da forma mais desajeitada possível, e saí rolando e tropeçando pela grama até, finalmente, conseguir correr.

O fato de eu não usar o meu corpo muito ativamente, fez com que eu tivesse pouca noção de como me movimentar com a agilidade que o meu coração pedia, por isso, vez ou outra eu tropeçava e esbarrava em uma árvore.

O meu corpo parecia prestes a desmoronar de tanta adrenalina e pânico.

Caí novamente após alguns minutos, e aproveitei para respirar um pouco e tentar convencer os meus músculos de que era possível continuar, mas fui ainda mais aterrorizada pela voz que visitava meus sonhos, agora me atormentando no mundo real.

— A liberdade está aqui! Aceite-me e abrace a escuridão! Viva o seu destino!

— Me deixa em paz! — Gritei e voltei a correr sem direção.

Eu estava tão desesperada por fugir, que nem me dava conta de 'para onde', então após outros longos minutos, tropecei numa pedra e saí rolando descontroladamente, até que caí numa superfície dura e gélida.

Ouvi um som estridente e vozes incontroláveis, mas dessa vez elas não vinham da minha mente, e sim da ruela em que eu havia caído, repleta de carros e olhares curiosos.

Muitas pessoas formaram um círculo ao meu redor, e falaram alto sobre ligar para a polícia, para o manicômio, e sobre de quem era o sangue que me banhava.

Só naquele instante me dei conta, de que não havia uma parte do meu corpo, que não estivesse impregnada por um sangue que eu desconhecia.


Continua...

A Filha do DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora