Capítulo 38

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<Atualizado> 

Do campo de visão que eu tinha ainda da entrada do quarto, vi Gabrielly estirada no chão sobre uma poça de sangue inocente. Seu pescoço, àquele momento, já havia parado de transbordar, por isso, consegui ver o corte com clareza. 

Corri em sua direção quase que de forma instintiva. Eu já sabia que ela estaria morta, mas precisei tocá-la para acabar com as esperanças que tentei cultivar naqueles breves segundos. 

Agarrada a seu corpo, ouvi um som de um dos cantos do quarto, era um soluçar pesado que me fez desejar a morte da maneira mais intensa possível. Ele vinha de Tamara que ainda estava viva, porém amarrada, amordaçada e repleta de feridas e sinais de surra, infelizmente eu sabia que a ferida que lhe causava aquele choro tão profundo, era a perda do seu bem maior: sua doce filha. 

— Não esperava pelo seu retorno, July. Adoro como você sempre me surpreende. — Pedro disse enquanto fechava a porta atrás de mim. 

Me virei com a vista embaçada e ainda segurando o corpo de Gabrielly, e vi que além dele, Henrique também estava ali.

Tudo o que eu queria era matá-los, torturá-los e fazer com que pagassem o preço por levar uma vida tão pura quanto aquela que se esvaíra do corpo que eu apertava com tanta dor, mas estranhamente, eu não tinha forças para realizar nenhum de meus desejos. 

Em pouquíssimos dias, Gabi havia se tornado a minha maior esperança, a minha certeza de que ainda havia bondade e pureza no mundo. Eu quis preservá-la em um lugar seguro onde nenhum monstro fosse capaz de alcançá-la, mas agora, o meu ponto de paz estava acabado e tudo aquilo, por mais que me doesse negar, eram e ainda é culpa minha. 

— Se serve de consolo, eu não me diverti fazendo isso, — Pedro começou novamente. — mas você não me deixou escolha July... Eu agi apenas por consequência das merdas que você fez! 

— Me desculpe! — Implorei fitando Tamara que em resposta, apenas gritou e chorou com mais intensidade, e com dor, eu a acompanhei entre soluços e lágrimas. 

— É melhor você matar logo ela. — Henrique disse pela primeira vez. — Aproveita antes que ela fique incontrolável de novo.

— Não se preocupe, — Pedro disse se aproximando de mim, segurando meu rosto próximo ao seu. — eu dei um jeito pra que ela se torne um cervo fácil. — Ele se aproximou do meu ouvido e sussurrou. — Eu vou te mandar pro inferno, seu demônio imundo.

O meu corpo estava consumido por cansaço e dor, era difícil até racionar. Havia algo naquele quarto que me deixara fraca e incapaz, algo que eu desconhecia. 

Se aproveitando do meu estado, Henrique teve coragem de se aproximar de mim e cuspir em meu rosto, cobrindo-me com um cobertor logo em seguida. Ele estava molhado, e ao contato daquele líquido com minha pele, gritei e me retorci de dor como nunca havia feito antes.

— Joga ela no carro enquanto eu mato essa aqui. — Ouvi Henrique dizer.

Tentei protestar, me recompor, lutar, chamar por Abalam e até mesmo o próprio Deus eu pedi para que intervisse, mas nada funcionou, e minutos mais tarde, eu estava no porta-malas de um carro em movimento com a certeza de que Tamara deixara aquele mundo.

***

Minutos mais tarde, eu estava de joelhos com o corpo todo amarrado no centro de uma igreja. Àquela altura eu já havia desistido de tentar fazer algo, e apenas me entreguei para o que quer que eles planejassem fazer contra mim. 

O céu já estava completamente escurecido, portanto, o lugar era iluminado por velas enormes que estavam espalhadas em cada canto possível. Havia um belo altar meticulosamente organizado, com grandes bíblias, crucifixos e imagens de santos e também um pequeno caldeirão de ferro sobre ele.

Na parede havia uma cruz enorme feita de madeira, exibindo um Jesus Cristo ferido e abatido, tudo aquilo me causava arrepios. 

— Você acha que temos o necessário? — Ouvi uma terceira voz totalmente desconhecida atrás de mim. 

Tentei virar para olhá-lo, mas estava tão presa que nem sequer conseguia virar o pescoço. 

— Tenho certeza que sim, ela já está bem fraca. Eu lhe disse que as orações teriam o efeito necessário, agora por favor padre, vamos acabar logo com isso. — Foi a vez de Pedro falar.



O terceiro homem, vestido de batina e com indiferença no olhar se posicionou à minha frente, abriu um pequeno caderno com uma mão, e com a outra segurou o imenso crucifixo que estava pendurado em seu pescoço.

Ele iniciou uma oração que me causava dor a cada palavra, enquanto Henrique respingava o líquido presente no caldeirão, provavelmente era a mesma substancia presente no pano que me cobriram, pois, o efeito era o mesmo.

A dor era insuportável e parecia atingir todos os cantos do meu corpo, da minha lama e até mesmo de minha consciência.

Por vezes sentia estar perdendo a consciência, mas quando despertava estava no mesmo lugar horrendo que o lago me levara, então quando eu fechava os olhos e os abria novamente, voltava para a igreja onde o sofrimento prosseguia.

Por fim, Pedro pegou uma estaca cheia de símbolos que estava no altar e a cravou em meu peito com toda a força que tinha.

Dei um grito tão alto e roco, que todos se calaram, até mesmo minha própria mente.

Minha vista foi ficando turva e escurecendo aos poucos, a dor foi diminuindo suavemente, até que eu me sentisse adormecida, em paz, finalmente.

***

Não sei quanto tempo permaneci inconsciente, mas assim que despertei, ainda estava na igreja, entretanto, tudo estava em chamas e repleto daquelas criaturas horrendas e horripilantes. 

Mesmo que me sentisse capaz de me mover, permaneci paralisada observando tudo à minha volta com medo e terror, até um borrão preto se materializar na forma de Abalam. 

— Bem-vinda ao inferno, querida. Espero que goste dos gritos, espero que goste do cenário, pois vai vê-lo pelo resto de sua vida.



Continua....

A Filha do DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora