Capítulo 4

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Meu despertador toca, mas já estou acordado, a ansiedade não me deixou dormir esta noite. Hoje será o meu primeiro encontro  se é que posso chamar assistir um filme de terror com uma colega da escola em sua própria casa de encontro  é hoje. Sei que Savannah não anda muito bem humorada ultimamente, mas espero que isso não atrapalhe.

Acordei mais cedo hoje. São 06:00. O banheiro já está ocupado, minha mãe tem o dom de acordar mais cedo que eu, não importa a horam ela sempre está disposta ao acordar, não entendo como não fica com olheiras. Talvez seja sua alimentação, vive seguindo dietas malucas que lê em revistas de beleza. Já fui obrigado a ficar um mês comendo "mato". É humilhante ter que ficar 30 dias se alimentando apenas de verduras e Tofu. Minha mãe é romancista, já publicou cerca de dez livros. Embora trabalhe em casa, quase nunca está presente, vive saindo com as amigas e/ou frequentando a biblioteca municipal, onde ela é voluntária a ser tutora de autores mirins. Deslizo para fora da cama, e sigo para o corredor. O azulejo está frio, esqueci meus chinelos do lado de fora. Bato na porta do banheiro, e chamo minha mãe.

 Mãe, vai demorar?

 Já vou!

Ela abre a porta. É como se ela estivesse vindo do além, enquanto caminha para fora do banheiro, uma densa nuvem de vapor a acompanha. Deve ter tomado banho na temperatura mais quente possível. No calor, o chuveiro de casa tem apenas quatro temperaturas disponíveis: Lava vulcânica, Derrete-Metal, Núcleo Terrestre e Saara ao meio-dia. Finalmente posso usar o banheiro, não consigo ver quase nada, o azulejo é branco e tudo fica impossível de se enxergar quando uma nuvem de vapor toma conta do banheiro. Minha visão agradeceria se minha mãe tomasse banhos em temperaturas mais baixas.

Após tomar banho, escovar os dentes, tento dar um jeito em meu cabelos. Está horrível, ainda acho que, de madrugada uma Vaca pula a janela do meu quarto e o lambe.

Hoje cedo, minha mãe precisa ir até a biblioteca municipal, para dar aulas aos seus mini escritores. Novamente tive a sorte de pegar carona com ela. Algo mudou ultimamente, não sei o que, mas sei que algo mudou.

Na frente da escola, logo ao descer do carro, olhares voltados para mim é o que não falta. É como se eu fosse uma estrela do pop internacional, todos me encaram como se eu estivesse nu. Não sei o motivo. Sempre fui anônimo nessa escola, e pretendo permanecer assim. Não estou acostumados a ser observado por tanta gente assim, e nem tanta gente assim acostumada a olhar para alguém como eu. Como eu disse, algo mudou. 

Logo no portão, me encontro com Igor e Adilson, que novamente discutem sobre coisas bobas daquele jogo.

 Cara, eu te disse! Pentakill não é pra qualquer um  Diz Adilson

 Não vem com essa, até um mísero Bronze-5 é capaz disso! É só ter um champion bom!  Retruca Igor.

 Não acredito que ainda estão discutindo sobre esse jogo idiota — Eu digo.

Meu celular toca. É um número desconhecido.

 Alô?  Digo em voz alta, na frente de Igor e Adilson

 É a Savannah. Só te liguei pra avisar que vou me atrasar u pouco hoje à noite.

 Savannah? Alô?  Ela desligou. Como ela ousa me ligar apenas para me dizer isso?

O mais perturbador, é que ela sabe meu número. Não passei meu número para ela. Isso não é normal. Com certeza ela pediu informação para algum amigo meu. Thomas só pode estar de brincadeira.

Adilson e Igor me observam com olhares maliciosos, como se houvesse algo entre mim e Savannah.

 Olha só, pelo jeito ela não nos perguntou seu número à toa. — Diz Igor.

— Vocês só podem estar de brincadeira. Porque não disseram a ela para vir me pedir pessoalmente?


Ao meio dia, as aulas se encerram. É hora de ir para casa. Fiz outra faxina geral. Minha mãe até me chamou de "Maníaco por limpeza", até mesmo porque sempre fui desleixado em toda minha vida em questão de organização.

Fiz uma cama de almofadas nos centro da sala. Tirei a mesa de centro e novamente enceirei o piso. Garanto que, se fosse Thomas que estivesse à caminho de casa, eu não iria mexer um músculo para arrumar a casa para recebê-lo.

A noite chega, e tomo outro banho. Nunca me ensaboei tanto minha vida. Até usei o xampu de minha mãe, que deixa os cabelos com um cheiro agradável, digo, mais agradável que o meu. Mal vejo a hora passar; Já são 19:50, e campainha toca. Savannah deve ter chegado. Bem pontual. Abro a porta e me deparo com Savannah com uma mochila notavelmente gorda

 Vamos com calma, está se mudando pra cá?  Digo num tom sarcástico

 Não. Vou dormir aqui hoje. Algum problema?

Apenas balanço a cabeça. Savannah entra e já começa a explicar o motivo de sua vinda com tantas coisas. Sem contar, que eu nem mesmo a conheço.

 Meus pais tiveram que sair com urgência do país. Foram pro Uruguai resolver uns negócios. Uma chatice. Queriam me arrastar também, mas eu não quis ir. E como não gosto de andar por aí tarde da noite, optei por dormir aqui.

Ela joga a mochila no sofá, a abre e começa a tirar tudo de dentro.

 É meu kit de sobrevivência. Sem essas coisas não sobrevivo fora de casa.

Um Xbox, um pijama de veludo roxo, um travesseiro escrito "I LOVE PURPLE", um laptop da Apple — Que não é qualquer um que tem dinheiro para comprar — E a trilogia completa dos Jogos Vorazes de Suzanne Collins.

 Já li os três livros, mas eles me dão sorte. Sempre carrego eles comigo quando vou dormir fora.

Horas se passam. Savannah se troca, nós jantamos, preparo a pipoca, e já estamos deitados na cama de almofadas no meio da sala assistindo Assim na Terra como no Inferno.

Duas horas de um longo filme de terror se passam. Finalmente ele acabou.

 Gostou do filme?  Ela me pergunta.

 Um pouco horripilante e sem sentido. Eles quase chegaram ao núcleo terrestre de tanto descer aquelas catacumbas para acabarem saindo em um boeiro das ruas de Paris?

 Exato. Emocionante, não?

 Não. Nem um pouco. Parece que gastaram uns três dólares para fazer esse filme. O tempo todo é filmado por uma câmera segurada por um dos atores. Amador. Amador e bem feito. Melhor gênero de filme, mesmo não tendo nenhum sentido no enredo.

 Desculpe. Não sabia que era crítico profissional de filmografia.

 Não, é que...

 Chega. Vá dormir. Estou morrendo de sono.

Ela se aproxima, e da um beijo em minha bochecha. Então ela pega o cobertor que minha mãe a emprestou, coloca seu travesseiro no sofá, e se deita. Me levanto, desligo a TV e sigo para meu quarto no escuro. Espero não bater em nenhum móvel no caminho. Deito-me em minha cama com leveza; Olho para o teto. Reflito. O que foi que acabou de acontecer? Acho que estou apaixonado.



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