Capítulo 60

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Não havia alvo que ela não conseguisse acertar. Todos os pontos obrigatórios de acerto eram fáceis, deduziu. Não entendia como o primeiro competidor havia errado um deles. E o outro sequer havia atingido o centro no seu último lançamento. Era a vez do seu pior rival, que acertou todos os alvos na primeira tentativa. Optou por não dobrar a sua pontuação no último alvo, que era opcional. Com apenas duas chances e a uma distância de quase duzentos metros, era muito provável que errasse e sua pontuação seria reduzida pela metade. Se isso ocorresse, ele podia não ser classificado para o dia seguinte.

Kilayra sentiu-se desapontada por não ver o moço errando as suas duas flechadas. Nunca soube de ninguém além dela que acertava com tamanha precisão àquela distância, segundo relatos do próprio Jimmy. Claro que sem contar os elfos, que eram exímios atiradores. Contudo a sua habilidade se comparava com a dos melhores entre os elfos. Mas entendeu que o rapaz havia garantido boas notas na corrida e não arriscaria seu primeiro lugar. Certamente, acreditava que não era possível que alguém optasse por tentar aquele tiro.

Abaixou o arco até o chão, informando que concluiu a sua prova. Era a vez de Kilayra. Acertou todos os alvos obrigatórios, no primeiro lançamento, sem dificuldades, como previu. Era a segunda no grupo, mas não estava satisfeita. Olhou mais uma vez para o alvo ao longe e deixou as duas flechas na aljava indicando que tentaria dobrar sua pontuação. Um breve tumulto entre os espectadores foi ouvido. O gigante loiro parou de rabiscar o chão de terra, olhou em sua direção e sorriu.

"Cínico! Certamente estava pensando se minha decisão foi embasada em certeza ou burrice!", pensava.

Arriscar sua pontuação e o seu segundo lugar não foi uma decisão fácil. Se acertasse um dos dois tiros, dobraria seus pontos. Se errasse os dois lançamentos, estaria desclassificada. Errar não era uma opção. Perderia a chance de provar ao seu pai suas ideias.

Atirou a primeira flecha confiante em sua mira. Errou. Um murmúrio perturbador foi ouvido, seguido por gargalhadas. Sentiu-se tonta. Pensou na estupidez de sua decisão em obedecer ao impulso fugaz. Não precisa ser melhor que ninguém, lembrava-se, apenas melhor que você mesmo a cada dia! Essas palavras latejavam doloridas em sua mente. Mas não, ela precisava provar a todos que era melhor em tudo o que se propunha a fazer, desdenhava de si. Estava com seu lugar garantido nas finais e arriscou tudo por seu excesso de confiança. Estranhamente o moço debochado parou de sorrir, parecia preocupado. Ela precisava desligar-se de tudo à sua volta. Concentrar-se em seu último lançamento, sua última chance de fazer tudo valer a pena. O sacrifício de Ritshy, os anos de treinamento com Jimmy, o desgaste de Monroy e o apoio de seus amigos. O tempo parou por um instante. O último desafio definiria se ela acumularia o dobro ou garantiria sua eliminação. Precisava se concentrar e conseguir acertar a segunda flecha. Não mais para ser a primeira colocada e sim para corrigir seu erro repleto de vaidade.

Olhou mais uma vez o alvo. Sacudiu o equipamento e os braços tentando relaxar os músculos. Decidiu qual olho usaria para visualizar melhor o destino da flecha. Sabia a importância de uma boa mira e do julgamento correto da distância. Seu olho direito era sempre a melhor escolha. O arco era aquele com o qual sempre treinou, estava acostumada com ele. Segurou-o com a mão esquerda. Puxou a corda para trás com a mão direita. Usava um protetor de braço, para evitar que ele fosse atingido pela corda do arco. Sabia que estava apertando além da conta, mas não usá-lo faria com que o seu antebraço ficasse esfolado após a disputa. Tentou desviar a atenção quanto ao incômodo, precisava de toda a concentração naquele tiro.

A aljava alojada em suas costas continha sua última esperança. Posicionou-se corretamente para o lançamento. Seu corpo devia ficar perpendicular, direcionado para a local desejado. Virou o ombro esquerdo para o alvo e segurou a flecha e a corda com a mão direita. Afastou ligeiramente os pés, formando uma linha reta que apontava para o lançamento. Mantinha-se ereta, tentando não tremer. Sentiu medo, pavor. Respirou fundo para relaxar. Precisava de uma posição que lhe fosse confortável, mas que também lhe desse segurança e firmeza. O tronco e os ombros estavam alinhados na posição certa. Os músculos das costas foram tensionados para puxar a flecha até o ponto de ancoragem. Posicionou-a. Silêncio absoluto na plateia, ou ela conseguiu eliminar os sons a sua volta? Apontou o arco para o chão e encaixou a haste da flecha na rabeira da corda. Hesitou. Suspirou. Prendeu a parte posterior da flecha à corda do arco. Olhou para as três palhetas. Deixou-as de forma que uma única palheta apontasse para fora. Colocou-a na posição de tiro. Usava todos os dedos posicionados abaixo da flecha. Levantou o arco, em um movimento fluído. Com os anos de prática, ela já tinha adquirido o perfeito controle. Isso a permitia concentrar-se totalmente no alvo sem se distrair, nem mesmo pelo cansaço.

Sempre que segurava o arco, procurava fazê-lo de uma forma relaxada e sem pressionar demais. Manteve firme o braço que segurava a arma. O interior do seu cotovelo estava paralelo ao chão e o equipamento na posição vertical. Olhou diretamente para a coluna da flecha. Levou a mão que segura a corda em direção a sua face, para próxima ao canto da boca. Tomou cuidado para não relaxar demais ou continuar a puxar a flecha após ter alcançado o ponto certo. Já tinha tentado sua mira naquele alvo. Resolveu que no segundo tiro usaria o instinto. Fechou os olhos para sentir melhor a direção do vento. Abriu novamente e agora era ela, a arma e o alvo. Precisava, então, coordenar os olhos e o braço do arco, deixando que a sua experiência e subconsciente orientassem o seu movimento.

Concentrou-se no centro do alvo e atirou a flecha. Em seguida, relaxou os dedos da mão que seguram a corda e moveu sua mão para trás, concluindo a rotação do seu ombro. Como em câmera lenta, acompanhou o trajeto com os olhos pelos mais de cento e oitenta metros na direção pretendida. Na direção de seu futuro. No momento que viu a ponta cravando no centro da placa de madeira ao longe, não se continha de tanta felicidade.

— Consegui! Eu consegui! — gritava eufórica. Embora tenha se esquecido de impostar o disfarce na voz, a explosão da plateia abafou seus gritos. 


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Ufaaaaa!!

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A Senhora do Caos - A Viajante e o DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora