O balanço ia e vinha em um som arranhado e ritmado lembrando uma araponga e ferindo seus ouvidos. O cabelo ruivo caindo no olho. A pequena e amada mão que o afastava, soltando da corrente deixava o homem preocupado com o iminente perigo de uma queda. A filha naquele balanço era sua memória preferida.
— Não solte!
— Olha o que eu consigo! — impulsionando com os solavancos das pernas magras.
— Cuidado!
O olhar do pai era terno e protetor. Descrevia com simplicidade e precisão o significado do amor compartilhado. O sol já descia dando lugar a um frio incomum ao mês de novembro. Foi quando o homem sinalizou que voltariam para casa, que ficava do outro lado da rua. Ela correu e aninhou sua mão na dele, notando como era grande, protetora e macia.
— Não precisa se preocupar tanto, pai. Sou quase uma moça.
— Sete anos não conta... — Ele sorriu e discordou.
— Logo farei oito, então é quase dez.
— Ponha um quase enorme aí, mocinha! — alertou.
— Me leva no colo?
— Moças também andam no colo?
— Só quando casam. — Encarando o homem olhando para cima.
— Está bem! — cedendo. Notou, talvez pela milionésima vez, a ausência de sardas tão comuns aos ruivos.
— Mas quer saber? Não quero crescer.
— Conversa confusa... Estamos indecisos hoje?
— Crianças não precisam fazer sentido.
— Crianças?
— Só não quero que envelheçam e pronto. Nem você, nem a mamãe.
— Já falamos sobre isso. As pessoas voltam a se encontrar depois, em algum lugar. Talvez esse lugar fique no fim do arco-íris. O que acha?
— Não quero falar disso – Os olhos azuis enchendo de lágrimas.
— Está bem.
— Sabe o que é, papai?
— Sei o quê?
— É que não consigo sem você... – a lágrima desceu.
— Não vamos pensar mais nisso. Vou estar sempre por perto pra você.
— Está bem... Você promete? Eu te amo.
— Eu também te amo, Ruiva. Você é o meu melhor milagre.
***
Brasil, interior do Estado de São Paulo. Mês de novembro, época atual.
O barulho irritante do despertador era estridente, ela apertava ainda mais os olhos para tentar escutá-lo menos. Impossível!
"Ah, um dia desses vou jogá-lo no lixo!", pensou antes de se levantar. Era difícil acordar e ter que ir para a última semana de aula do último ano no colegial. O ensino médio terminaria. Como seria dali em diante? Se não fosse a sua última semana naquela escola, definitivamente, não iria mais naquele ano. Gostaria de se despedir de alguns colegas que estariam mudando para outras cidades do Estado de São Paulo. Demoraria meses até que pudesse rever alguns deles. Teria saudades de poucos, nem tanto assim de outros e menos ainda de vários. Mas uma coisa ela poderia dizer com certeza: desde o sumiço de seu pai, ela não tinha a menor ideia do que faria de sua vida.
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A Senhora do Caos - A Viajante e o Dragão
FantasíaA SENHORA DO CAOS | DEGUSTAÇÃO (Metade do livro aqui) - A viajante e o Dragão - | (A venda na AMAZON, versão comp...