1- A realidade. (REVISADO)

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Meu. Deus. Quase fui assaltada ao sair da principal rodoviária do Rio de Janeiro. Acredito que por alguma razão ele percebeu que eu não era daqui, ou melhor, era do interior, apavorada em meio a esse gigantesco Mundo de concreto. Quando um moleque de no máximo um metro e sessenta de altura, pele escura, olhos vermelhos e segurando um pequeno canivete avançou sobre mim tive vontade de entrar no ônibus que me trouxe até aqui e ir para casa.

Ah, a minha casa. Tudo bem, que não era mil maravilhas ter que dividir um quarto com duas irmãs pequenas que cismavam em brincar de passar coisas nojentas na cara da Mayara enquanto ela dormia. Péssimas lembranças.

Mas aquele garoto ameaçando levar tudo que eu tinha dentro da minha mochila e mala de mão, era muito mais ameaçador. Então, ele desviou os olhos de mim e encontrou uma velhinha baixinha carregando uma bolsa de lado, que obviamente aparentava ser mais interessante de assaltar do que uma menina de saia jeans desgastadas, regata verde desbotada e os cabelos presos de forma desajeitada na cabeça.

Foram momentos de terror. Lembrei-me dos olhos calejados de mamãe no portão, o corpo contraído quase vindo até mim para me por dentro de casa novamente. Ela não veio. Sabia que nada poderia ser pior do que manter a tradição de pobreza em nossa família. Eu continuei a caminhar com passos fracos pelas calçadas esburacadas em busca do destino diferente que havia traçado para mim.

Desembarquei do ônibus municipal na cidade universitária da faculdade que passara. A onda de euforia logo tomou conta do meu organismo. Meses atrás, quando vi meu nome na lista de aprovados, meu Mundo explodiu em chamas de alegria. Eu seria uma universitária, depois profissional. Todo o ano passado, debruçada em livros, dormindo pouco e agindo como uma usurpadora dos professores da minha área. Tudo. Valeria a pena.

Jardins gramados cobriam um vasto pedaço de terra em meio aos prédios distanciados, que eu acredito ser dessa forma por pertencer a polos de diferentes cursos. Abri minha mochila à procura do mapa que havia impresso para me localizar nessa gigantesca ilha. Segui as coordenadas, passando pelo hospital universitário, bandejão, polo de educação física e lá no fundo eu o encontrei. O prédio que será minha casa por pelo menos cinco anos.

O mar contornava a cobertura de terra ao meu redor, a mochila pesava no ombro formando uma longa camada de suor na minha pele e a maleta de mão escorregava entre meus dedos devido ao calor intenso. Franzindo o cenho, entrei no único buraco retangular em frente a um prédio cinzento e pichado . Será possível que os alunos destruíram o próprio alojamento?

O corredor era escuro e todas as portas estavam trancadas, nenhuma alma perambulava por ali. Fui em direção à escada no fim do corredor no momento em que um ruído fraco me chamou a atenção. Olhei por cima do rodapé e dentro de um buraco na parede, um rato preto de olhos vermelhos me encarava.

Soltei um gemido de nojo misturado a medo, mas o roedor não se assustou. Pulou perto do meu pé. Saí correndo dali, tropeçando nas minhas próprias pernas quase deixando escapar a maleta de mão. Corri. Subi as escadas e serpentei com os olhos os números das portas. E finalmente encontrei. 201.

Por um instante, observei a porta relutante do que iria encontrar ali. Mas era só pegar a chave com a vizinha de alojamento, entrar no meu quarto, cair na cama e tentar relaxar. A faculdade não poderia ser tão ruim assim.

Bati uma, duas, três vezes. Estava quase desistindo quando vi a maçaneta girar. Finalmente! Uma gota de um liquido caiu na minha bochecha e eu olhei para o teto incrédula. Infiltração. Esfreguei a palma da mão no rosto e implorei em pensamentos para que não houvesse uma assim dentro do meu quarto. Atraindo minha atenção, uma garota alta, magricela e de pele escura surgiu na porta.

- Quem é você? - perguntou ríspida. Olhei por cima dos ombros dela e notei um homem pelado e completamente duro na sua cama. Ai. Senhor.

Gaguejei. Suspirei. E nervosa falei:

- E-eu sou a Mayara, a garota nova do alojamento. Vim pegar as chaves e você é...? - tentei soar simpática.

- Lúcia. - ela ajeitou os cabelos bagunçados em volta do rosto.

- Sua coleguinha chegou antes de você e já abriu o quarto. Licença, por favor. Estou um pouco ocupada como você pode ver - ela apontou para o homem na sua cama.

- Mas... - ela bateu a porta na minha cara.
- Mas não dividimos alojamento com ninguém, pelo menos foi o que li no regulamento- lamentei-me sozinha.

Agora foi a vez de bater na minha própria porta, que devido a alguma razão já havia sido aberta por alguém. 202. Uma batida firme e a porta se abriu fazendo aparecer uma garota jovem de no máximo dezenove anos com peitos avantajados, cochas grossas e uma tatuagem na clavícula escrito: Be free. Live life. Seja livre e viva a vida em inglês.

- Oi!- ela abriu um sorriso. Alguém educado finalmente.

- Oi, eu sou a Mayara. Pensei que esse quarto fosse meu - falei tranquilamente.

- Desculpe, entre. Eu sou a Letícia- ela abriu espaço na porta.
- Eu sei que segundo as clausulas quartos não são compartilhados, mas a situação da faculdade não anda muito boa. Então acabaram nos colocando juntas. Espero que possamos viver bem, não posso voltar para casa.

Deixei minhas malas em um canto espremido do quarto pequeno. Um beliche improvisado, uma mesinha, uma cadeira e a janela aos fundos compunham o cômodo.

Encarei seus olhos assustada. Dividir quarto com minhas irmãs era uma coisa, mas com uma desconhecida nessa cidade selvagem. E se ela quiser roubar minhas coisas? Trazer homens duros para cá? Fumar? Beber?

Tremi.

- As coisas não tem sido como eu imaginava.

- Ah, minha amiga. Nem para mim- ela sentou na cadeira de madeira velha.- Acabei de perder um filho.

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